Na manhã desta quinta-feira, 9, um caso alarmante expôs as condições precárias de atendimento médico no município de Assis Brasil, na região do Alto Acre. Vitória, uma jovem indígena de 18 anos, deu à luz sua filha no porto da cidade, após aguardar, segundo informações, por mais de duas horas a chegada de uma ambulância de suporte médico. O caso foi relatado com exclusividade à Folha do Acre por uma fonte que preferiu não se identificar, como assegura o artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal, que protege o sigilo de fontes jornalísticas.
De acordo com informações, Vitória viajou por mais de três horas em uma canoa [pequena embarcação], saindo de uma aldeia indígena localizada nas cabeceiras do Rio Acre, para dar a luz a sua filha no hospital da cidade. Ao chegar ao porto, pediu ajuda aos moradores locais para acionar uma ambulância do SAMU. No entanto, a demora no atendimento colocou em risco a vida e a saúde da mãe e do bebê.
Enquanto Vitória aguardava, entrou em trabalho de parto dentro da canoa. O socorro veio de um morador das proximidades, identificado como Girleudo Rodrigues da Silva, que, ao perceber a gravidade da situação, tentou acionar o socorro médico. No entanto, ao se passar mais de uma hora sem respostas, o homem decidiu pedir ajuda a Polícia Militar, que ao não localizar o SAMU, resolveu pedir ajudas ao município. O tempo de espera foi tão grande que a jovem deu a luz ali mesmo, dentro da embarcação. A testemunha relatou que uma tia da jovem, que mora na cidade, foi até ao local e resgatou a criança a levando a pé até o hospital por conta própria.
Sem o auxílio imediato da ambulância, Vitória foi socorrida por Girleudo e um outro rapaz que estava nas proximidades. Eles carregaram a mulher em uma rede até a margem da rua, enquanto a Polícia Militar tentava localizar a ambulância. Após cerca de duas horas, o veículo, finalmente, chegou e transportou a indígena para o hospital.
“A demora foi tão grande que uma tia dela [da mãe] veio e levou a bebê a pé pro hospital. Então eu peguei uma rede, carreguei a mulher mais de 200 metros na rede até a beira da rua. A polícia chegou, foi atrás da ambulância e conseguiu trazer eles cerca de umas duas horas depois. A mulher estava sangrando muito, o neném com o cordão umbilical sem ser cortado, e não tinha ninguém para socorrer”, relatou Girleudo.
Uma segunda testemunha confirmou a demora e criticou a situação. “Se o rapaz não tivesse carregado ela na rede, ela teria pegado chuva. Passaram mais de duas horas até a ambulância chegar, e isso só aconteceu porque a polícia foi atrás”, afirmou.
Em um vídeo recebido pela reportagem (Veja abaixo), Vitória aparece em uma rede com sinais de dores e sangramento. As testemunhas relataram que o vídeo foi gravado após a mulher ser resgatada no porto da cidade e levada à casa de uma moradora que mora próximo as margens do rio. No vídeo, policiais militares recolhem a mulher no chão e coloca dentro da pequena ambulância que finalmente chegou para prestar socorro à vítima.
Resposta da secretária de Saúde do município
Procurada pela Folha do Acre, a secretária de Saúde de Assis Brasil, Francicléia Correia, confirmou o ocorrido e explicou as razões para a demora no atendimento.
“A Polícia Militar solicitou ajuda do município para buscar essa paciente com a criança na beira do rio, pois o SAMU não estava no município. De pronto, a ambulância da atenção básica do município atendeu à solicitação”, declarou.
Sobre a demora para prestar socorro, Francicléia afirmou que a responsabilidade pelo resgate é do SAMU, que é de competência do Estado. Ela informou ainda que o município possui duas ambulâncias disponíveis, mas que elas atendem exclusivamente à atenção básica de saúde.
Quando questionada sobre o estado de saúde de mãe e filha, a secretária afirmou não ter informações, pois ambas estão no hospital da cidade, que é responsabilidade estadual. Francicléia também declarou que não sabe se o ocorrido comprometeu a saúde da jovem e de sua filha.
Dignidade da pessoa humana e o direito à vida
O caso coloca em evidência não apenas a responsabilidade do Estado sobre o serviço de resgate, mas também a obrigação do município de agir em situações emergenciais para garantir a dignidade da pessoa humana e o direito à vida, ambos assegurados pela Constituição Federal. Conforme o artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático de Direito, e o artigo 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida. Além disso, o artigo 196 estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, em todas as esferas, incluindo municípios, que devem atuar de forma solidária em situações de urgência, especialmente quando o risco iminente à vida exige uma resposta imediata. A demora no atendimento demonstra uma falha na coordenação e na pronta assistência, reforçando a necessidade de mecanismos que garantam o socorro eficaz em situações de emergência.
Veja o vídeo:
- Fonte: Folha do Acre.