Durante sua passagem pelo Peru nesta semana, o presidente da China, Xi Jinping, aproveitou para inaugurar o que em alguns anos será maior porto comercial da América do Sul.
O complexo portuário de Chancay fica cerca de 70 km ao norte da capital peruana, Lima. É um projeto superlativo, liderado pela companhia marítima estatal chinesa Cosco Shipping Company e com investimentos totais estimados em US$ 3,4 bilhões (cerca de R$ 19,7 bilhões).
A infraestrutura deve contar com 15 embarcadouros, escritórios, serviços logísticos e um túnel com 2 km de comprimento para o transporte de carga.
Oito anos depois do início das obras, a conclusão da primeira fase do complexo foi anunciada na quinta-feira (14/11), durante a visita de Xi ao Peru para participar da reunião de cúpula da APEC, realizada em Lima.
Sua construção não ficou livre de polêmicas – e seus efeitos serão sentidos muito além do Peru.
O porto representa um passo importante na expansão da presença chinesa na América Latina.
Foi concebido como parte da Nova Rota da Seda, iniciativa estratégica que há anos vem sendo implementada e tem entre os objetivos aumentar a presença e a influência chinesa no mundo.
Com o complexo portuário, a China aumenta sua capacidade de desembarque de mercadorias na América do Sul e de transporte dos produtos importados da região, principalmente minérios, como lítio e cobre, e produtos agrícolas, como a soja.
O ministro das Comunicações e Transportes do Peru, Raúl Pérez Reyes, declarou que o megaporto permitirá ao seu país posicionar-se “como centro logístico de toda a América Latina”.
O governo peruano calcula que o novo terminal irá gerar 7,5 mil empregos diretos e indiretos – número que críticos veem com ceticismo, argumentando que, em outros projetos na América Latina, os investimentos chineses empregaram mais trabalhadores levados da China do que a mão de obra local.
Também há expectativa de que o megaporto traga redução no tempo de transporte de mercadorias e, consequentemente, nos custos de frete, que o tornaria atrativo para operadores logísticos.
A estimativa do governo peruana é de que a duração das viagens de cargueiros do Peru até a Ásia cairia de 40 para 28 dias. A principal razão é a localização escolhida para o porto.
“Anteriormente, os produtos exportados pela América do Sul precisavam subir para o norte, até portos como Manzanillo, no México, onde ocorria o transbordo para que fossem enviados para a China”, explica à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) Robert Evan Ellis, do Instituto de Estudos Estratégicos do Exército dos Estados Unidos.
“Com Chancay, abre-se uma rota direta e mais rápida”, destaca ele. “É como uma linha de ônibus que, antes, fazia todas as paradas e, agora, segue direto até chegar ao destino.”
Além da vantagem em termos geográficos, o grande calado da baía de Chancay confere ao porto capacidade de receber os maiores navios do mundo, que podem transportar até 24 mil contêineres, conhecidos no setor de navegação como TEU (“unidade equivalente a 20 pés”, na sigla em inglês).
Assim, o novo porto deve dar às empresas de navegação a possibilidade de embarcar maiores quantidades de mercadorias a um custo mais baixo.
Segundo Juan Ortiz, do Observatório de Contexto Econômico da Universidade Diego Portales, no Chile, “Chancay terá vantagens operacionais sobre os outros portos do litoral do Pacífico na América do Sul, devido aos altos investimentos realizados no porto e à incorporação de tecnologias de ponta, que permitirão reduzir os custos e os tempos de operação no porto em relação aos demais da região.”
Os efeitos da megaobra já são sentidos na região.
Uma cidade pequena, com boa parte da população dedicada à pesca artesanal, Chancay passa atualmente por uma grande transformação.
Os moradores hoje convivem, por exemplo, com um túnel que atravessa a cidade conectando o grande porto à rodovia Pan-Americana Norte. E com preços cada vez mais altos de terrenos na região.
“Existe a expectativa de que empresas do setor logístico se instalem nas proximidades do porto”, declarou à BBC News Mundo Rubén Tang, fundador do Instituto Confúcio da Pontifícia Universidade Católica do Peru.
O impacto deve, contudo, transcender os limites de Chancay.
O Ministério da Produção peruano estima que o porto e os centros logísticos associados devem adicionar à economia do país aproximadamente US$ 4,5 bilhões (cerca de R$ 26,1 bilhões), o que equivale a cerca de 1,8% do PIB peruano.
Já o Banco Central calcula que apenas a fase inicial recém-inaugurada elevaria o PIB do Peru em 0,9% já em 2025.
As novas instalações também devem servir para desafogar o porto de Callao, que é o principal ponto de entrada e saída de mercadorias do Peru. Sua saturação atual causa prejuízos e atrasos ao fluxo comercial do país.
Mas também existem dúvidas e preocupações em relação ao projeto.
“Em outros investimentos da América Latina e da Ásia, temos visto como a China emprega técnicas predatórias e acaba levando os recursos naturais e aumentando a dependência dos países onde ela se instala”, segundo Evan Ellis.
Ele alerta que “com Chancay, o Peru está ficando mais dependente da China”.
Organizações ambientais também se posicionaram, advertindo sobre a ameaça ao meio ambiente. E a concessão exclusiva da gestão do porto à Cosco foi objeto de ações na justiça.
A outra grande incógnita é como esta vasta infraestrutura será incluída em um país conhecido pelas suas vias de transporte precárias e insuficientes.
Para Tang, “existe uma brecha pendente para que o porto possa atingir as expectativas criadas, que é a melhoria das conexões com as províncias peruanas”. Afinal, é nelas que ficam as minas e campos de produção das matérias-primas consumidas pela China e pelos mercados emergentes da Ásia.
Da mesma forma, também é preciso desenvolver serviços públicos para fazer frente ao aumento da população. Este é um dos grandes motivos de reclamações dos moradores locais, em relação a outras grandes explorações operadas com capital chinês no Peru – como a mina Las Bambas, no departamento de Apurímac, no sul do país.