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Gasto com bets faz classe B comer menos vezes fora de casa, diz setor de Food Service

O mercado de refeições fora do lar, incluindo o delivery, movimentou R$ 61 bilhões no Brasil no segundo trimestre de 2024, um aumento de 3% em relação ao mesmo período de 2023. O setor é composto por restaurantes, redes de fast-food, indústria de alimentos e bebidas, além de prestadores de serviço, como empresas de embalagens, equipamentos e tecnologia.

Apesar do aumento, dados do Instituto Food Service Brasil (IFB), maior entidade que representa o setor no país, avalia que o setor “está um pouco estagnado” e que isto está relacionado ao endividamento do consumidor e o maior gasto dos brasileiros com apostas esportivas, as chamadas bets, que se multiplicaram no país.

“Em julho de 2023 haviam 61 casas de apostas cadastradas no Brasil e em março deste ano esse número era de 380. O maior consumidor desse mercado é o da classe B, e perdemos 2% do consumo dessa classe social, que não tem mais tanto pra gastar”, disse a diretora executiva do instituto, Ingrid Devisate. 

Fundado em 2014, o Instituto Food Service Brasil (IFB) é a principal entidade do setor e trabalha facilitando o acesso de empresas a dados e tecnologia. Empossada em janeiro de 2024, a nova presidente do instituto, Danielle Gary, e a diretora executiva, Ingrid Devisate, falaram com exclusividade ao site IstoÉ Dinheiro sobre as novas tendências do setor, os desafios diante do alto endividamento da população e sobre as novas demandas do consumidor.

Danielle Gary e Ingrid Devisate Foto: Divulgação

De acordo com os dados do IFB, o ticket médio do setor até junho de 2024 foi de R$ 19,8 por compra, acima dos R$ 18,8 de 2023. O gasto médio do consumidor nos serviços de delivery próprios dos restaurantes subiu de R$ 20,9 em 2023 para R$ 23 em 2024. Já nos pedidos de delivery nos aplicativos, passou de R$ 23,2 para R$ 24,2.

“O setor perdeu mais de 400 milhões de visitas em 2023, mas o ticket médio aumentou e compensou essa queda. Ou seja, o consumidor está mais seletivo e quer gastar mais em produtos melhores”, afirmou Gary.

Confira os principais pontos da entrevista  

Qual a importância do instituto hoje para o setor? 

Danielle Gary: o instituto nasceu em 2014 e hoje reúne 105 associados, entre eles gigantes como McDonalds, Burguer King e Bob’s. Nosso principal papel é alimentar o setor com relatórios de hábitos de consumo, tecnologia e dados para as melhores tomadas de decisão. Além disso, contamos com comitês como o de inteligência de mercado para auxiliar as empresas com insights. No Brasil mais de 80% do mercado de alimentos é de restaurantes independentes e 30% é de grandes redes. Isso se inverte no exterior. Então o nosso trabalho é de auxiliar esses estabelecimentos que muitas vezes não tem dinheiro para investir em pesquisa e em dados para uma melhor tomada de decisão.

Hoje a gente conta com um consumidor com um paladar mais apurado e demandando novidades, por isso as empresas precisam de inovação no serviço e no cardápio. Nosso trabalho é construir uma estrutura para que esses restaurantes possam crescer.

Qual é a realidade do setor atualmente? 

Ingrid Devisate: o curioso do nosso setor é que ele é muito amplo, vai desde o café da manhã na padaria, passando por um almoço de trabalho até uma grande comemoração familiar. A gente vê crises no varejo, por exemplo, mas esse setor é resiliente. Os últimos dados que temos é que o brasileiro gasta em média 30% do orçamento mensal em alimentação fora de casa. É um número muito alto.

Hoje a gente vive um cenário um pouco mais desafiador. O mercado de alimentação fora do lar vinha crescendo desde 2021 e agora está um pouco estagnado, por conta do alto endividamento do consumidor, que pode ter relação também com as bets, que cresceram muito ano passado. Em julho de 2023 haviam 61 casas de apostas cadastradas no Brasil e em março deste ano esse número era de 380. O maior consumidor desse mercado é o da classe B, e perdemos 2% do consumo dessa classe social, que não tem mais tanto pra gastar. O setor perdeu mais de 400 milhões de visitas em 2023.

É um movimento esperado porque a pessoa quando não tem dinheiro ela corta fora de casa. Ao mesmo tempo, o ticket médio gasto pelos consumidores subiu, ou seja, quem está saindo está saindo para gastar mais.

O aumento do ticket médio pode ter a ver com alguma mudança nos hábitos de consumo do brasileiro?

Danielle: sim, porque o gasto acaba ficando mais seletivo. Comer um doce todos os dias depois do almoço, no fim do mês, tem um peso grande no orçamento, de R$ 200, R$ 300. Ao invés disso ele vai comer menos vezes, mas vai ser o doce mais caro, requintado, não vai ser qualquer um. Eu vou escolher melhor, um doce de um lugar que eu sei a procedência dos ingredientes, por exemplo. Que eu consiga sentir que tem um leite condensado de qualidade, que não é um produto que ficou guardado por dias ali e na hora que eu for comer ele está murcho, ressecado.

Outro dado que a gente captou é que 38% dos clientes querem promoções. Então os restaurantes precisam ficar de olho e investir cada vez mais nesses combos. A pessoa vai com a família ela está de olho no custo benefício. O consumidor quer o hambúrguer e o milk shake por um preço promocional. Quem conseguiu enxergar isso saiu na frente. 

Identificamos também que o cliente está querendo inovação no cardápio. Claro que há exceções, mas se o cliente for três, quatro vezes em um mesmo lugar e encontra sempre as mesmas coisas no cardápio, ele não volta. A concorrência no setor é muito forte, então o restaurante tem que ficar sempre de olho nas inovações.

Quais foram as mudanças que a pandemia trouxe para o mercado de comida fora de casa? 

Ingrid: Com certeza houve uma aceleração do delivery, que entrou de vez no hábito das famílias. Antes da pandemia, ele representava menos de 10% das transações e chegou a 32% em 2021. Em 2023 ele se estabilizou entre 17% e 19%. Nós evoluímos 10 anos nessa tecnologia durante a pandemia e o setor precisou se mexer, com investimentos na área de TI. Entre 2016 e 2020 os pedidos via smartphone já haviam subido 1000%. Hoje a gente consegue identificar que uma família pede comida de três, quatro restaurantes em uma refeição.

O investimento em tokens de autoatendimento também são uma realidade para vários restaurantes e aumenta a praticidade do consumidor. Mas a gente precisa ter em mente que o consumidor brasileiro não abre mão de um bom atendimento, de chamar o garçom pelo nome, de se sentir acolhido. A gente viu que muitos operadores que foram para um lado mais tecnológico e tiveram que voltar atrás.

Como o setor vê a demanda cada vez maior por coisas que vão além da comida, como um ambiente mais instagramável, por exemplo? 

DG: A gente não tem dados sobre isso, mas em algumas conversas que a gente tem com os restaurantes eles passam pra gente que a primeira coisa que o consumidor faz é tirar foto da comida. Então hoje há uma preocupação de encantar esse cliente, se você não tiver a melhor cadeira, o ar-condicionado na temperatura ideal, a melhor luz o cliente muitas vezes não volta. Não basta ter a melhor comida.