A comunidade Periquito, localizada na Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade, enfrenta um dilema: como garantir a sua alimentação sem esgotar os recursos naturais da região? Para tentar resolver esse problema, os moradores decidiram dividir o rio que corta a área em duas partes: em uma delas, a caça com cães é permitida; na outra, não. A medida visa preservar as populações de animais silvestres, como pacas, veados e queixadas, que são fontes de proteína animal para os habitantes.
Essa iniciativa foi acompanhada de perto pelo biólogo Ricardo Sampaio, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que realizou um estudo sobre o impacto da caça nas Reservas Extrativistas (Resex) da Amazônia. Sampaio e seus colaboradores instalaram armadilhas fotográficas em 100 comunidades situadas em 9 unidades de conservação de uso sustentável e registraram a presença de 29 espécies de mamíferos e aves. Os resultados, publicados na revista Biological Conservation, mostram que a caça de subsistência afeta as populações de algumas espécies apenas nas proximidades das comunidades, a menos de 5 quilômetros de distância. A partir dessa distância, o efeito diminui.
O estudo também revela que a caça no Brasil tem um impacto menor do que em outros países, onde há um comércio legal de carne de caça. Segundo Sampaio, isso se deve à proibição da caça no país, que dificulta o acesso a esse recurso. No entanto, a lei brasileira não define claramente o que é “estado de necessidade”, deixando a cargo dos juízes decidir se a caça ocorreu de modo ilegal ou para subsistência.
Os pesquisadores sugerem que algumas espécies mais resistentes, como veado-vermelho, paca e cutia, possam ser manejadas por meio da caça controlada e eventual comercialização do excedente, de acordo com a legislação das Resex. Isso permitiria proteger as espécies mais sensíveis, como anta, mutum, queixada, veado-cinza e cutiara.
O trabalho de Sampaio teve um impacto direto na comunidade de Periquito, que optou por reforçar o acordo de não usar cães para caça e passou a controlar a reprodução dos cães, ajudando a preservar a biodiversidade local.
Esse estudo lança luz sobre os desafios de equilibrar a preservação da vida selvagem com as necessidades de subsistência das comunidades na Amazônia e levanta questões importantes sobre a gestão da fauna silvestre no Brasil.
Redação Jurua24horas com informações do texto de Felipe Floresti/Revista Pesquisa Fapesp