Às 8h30 da sexta-feira, 6, Marcos Pereira dos Santos chegou ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Náuas, em Cruzeiro do Sul, para cumprir uma das agendas do seu dia de trabalho. A presença do Marquinhos, como carinhosamente o chamam amigos, familiares e colegas de profissão, “inundou” o ambiente com energia positiva e renovou a esperança da equipe de profissionais da unidade no poder de superação do ser humano. Foi um momento em que risos se misturaram a gestos de afeto. “Olá, Marcos. Que prazer vê-lo aqui. É uma alegria notar que você está bem”, proferiam os profissionais na acolhida a Marcos Santos, que se reabilitou após anos de tratamento psiquiátrico na unidade.
“Ali, recebi ajuda para resgatar o equilíbrio da vida em sociedade, pois a pessoa que sofre com distúrbios mentais, como depressão e ansiedade, tende a se isolar. É um trabalho social feito para que o usuário retome às relações com familiares e volte a realizar outras atividades, como estudar e trabalhar”, enfatizou Marcos Santos.
Na mão esquerda, o Marquinhos segurava firme sua máquina fotográfica, instrumento que colaborou para a grande virada da sua vida. Naquele momento, sua missão era unir suas habilidades às lentes do equipamento para registrar fotos para esta matéria. Há quase cinco anos, o fotógrafo da Secretaria de Estado de Comunicação (Secom) tem agregado valor ao material produzido pela equipe de assessoria do governo do Acre no Vale do Juruá e tem sido referência na região.
“Os cuidados que recebi no Caps foram fundamentais para a reconstrução da minha vida. Recordo que anos atrás dei entrada no centro em estado crítico, necessitando de ajuda, e hoje retorno como profissional. Sinto gratidão em rever as meninas e toda a equipe que cuidou de mim muito bem e que esteve ao meu lado quando precisei”, relatou.
E completou: “Diante das boas mudanças na minha vida, só tenho a agradecer a Deus, aos familiares e, em especial, ao Caps Náuas pelo apoio”.
As palavras registradas no livro que Elivânia Silva dos Santos escreve irão motivar outros pacientes com transtornos mentais a superarem seus desafios. A obra, ainda sem título e com apenas seis capítulos escritos, vai relatar a caminhada da paciente durante o processo de resgate do desejo pela vida.
“Quero compartilhar o meu anseio por vida, a garra para enfrentar os desafios e a assistência que tenho durante o meu tratamento psiquiátrico. Meu objetivo é mostrar às pessoas que existe vida além do sofrimento. Espero salvar muitas vidas por meio de uma história de superação”, declarou.
O Caps Náuas tem sido sua base há mais de uma década, quando síndromes do pânico, depressão e outros sintomas passaram a dominar o cotidiano da paciente. “No Caps Náuas, recebi o “abraço” que alivou as dores que me atormentavam. Lá, cheguei ao entendimento de que precisava de ajuda. Fui acolhida, entendida e medicada, o que permitiu a realização adequada do meu tratamento, a conclusão da minha faculdade em Administração, a realização da pós-graduação e o início do mestrado. O Caps representa o recomeço na minha vida e me ajuda a viver tranquilamente em sociedade”, enfatizou Elivânia, mãe do pequeno Enzo, de 4 anos.
Quem visita o Caps Náuas, localizado na região central de Cruzeiro do Sul, depara-se com pinturas trabalhadas pelas mãos habilidosas de Josemar Silva de Souza, de 37 anos. A beleza das obras gera inquietude e traz a certeza dos inegáveis benefícios que a arte traz para a melhoria da saúde mental do pintor, que na unidade é carinhosamente chamado de Chico.
A aptidão para registrar imagens em quadros foi descoberta na adolescência e, somada aos cuidados, atenção e incentivo das equipes do Caps Náuas, ajuda a reestabelecer a caminhada de Chico.
“O Caps tem me ajudado muito, com incentivos, pois é quando eu percebo que a pintura é um caminho para seguir em frente. Meu coração se enche de felicidade quando olho para os meus desenhos. Para mim, arte é um forma de vida”, refletiu Chico.
“O que faz o Caps Náuas uma referência no Acre é o trabalho de uma equipe multiprofissional, que há oito anos se especializa para prestar serviços de qualidade, com foco na garantia de direitos e no resgate da cidadania e autonomia dos usuários. Além disso, buscamos apoio dos demais setores da sociedade, mantendo sempre uma boa relação com os parceiros, e realizamos o matriciamento dentro da rede de saúde. Somos uma unidade com serviços diferentes dos ofertados nos ambulatórios, nas unidades básicas de Saúde e nos hospitais, pois usamos a lógica dos cuidados e da atenção psicossocial”. Com essas palavras, a gerente-geral Ana Cristina Sales define o trabalho desenvolvido no Caps Náuas, que há quase 20 anos atua para atender pacientes com transtorno mental grave no Vale do Juruá e nos municípios da região de fronteira com o Amazonas.
Classificado na modalidade Caps 2, em que a unidade presta serviços para uma região habitada por até 100 mil pessoas, o centro tem cadastrados, atualmente, cerca de 12 mil pacientes de todos os públicos.
Ali são realizados atendimentos individuais e em grupos, oficinas terapêuticas, eventos em que o usuário ganha protagonismo, como sarau, assembleias. Além disso, são feitas abordagens à população de rua. Os profissionais do centro também realizam acompanhamento dos pacientes na busca por acesso a serviços como consultas médicas, audiências, atendimentos junto ao INSS e outros.
“Trabalhamos para que os usuários vivam com dignidade. Que possam ir à praça comer um lanche ou tomar um sorvete. Que possam trabalhar, estudar e ter condições de tocar a vida sem se submeter à tensão propiciada pelo tratamento e sem que haja necessidade de ser contido num espaço físico”, enfatiza a gestora.
O trabalho ganhou notoriedade e reconhecimento. Homenagens foram prestadas ao Caps Náuas pela Universidade Federal do Acre (UFAC) e pelo Conselho Regional de Psicologia, e no início deste ano uma Moção de Aplausos da Câmara de Vereadores local foi concedida ao caps pelos seus relevantes serviços.
O aprimoramento e fortalecimento da política de atenção e cuidado psicossocial no Caps Náuas se inicia antes mesmo da oferta dos serviços. Há mais de uma década, a parceria com a Universidade Federal do Acre (Ufac) acontece e ajuda na formação de profissionais e melhoria dos serviços na Região do Juruá. A união entre o governo do Estado, por meio da Secretaria de Saúde (Sesacre), e o governo federal atua para formar recursos humanos para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Na prática, a colaboração acontece por meio da formalização de documentos e na realização de serviços, com ensino, pesquisa e extensão.
“A Ufac procura desenvolver a formação do estudante dentro da perspectiva da reforma psiquiátrica, que leva em conta a política de atenção psicossocial. O trabalho feito no Caps colabora com a formação dos nossos estudantes, pois na unidade o nosso aluno vê na prática a política sendo executada. Isso é relevante para a formação dos profissionais, pois aproxima teoria e prática”, enfatiza a professora do curso de Enfermagem, Alexsandra Pinheiro Costa.
A união de esforços vem gerando bons frutos. Entre as principais conquistas estão a formação e a qualificação de recurso humano, a construção de olhar humanizado sobre o usuário e os serviços ofertados no Caps Náuas, além das pesquisas seguidas de extensão.
A gestão Gladson Cameli ampliou o quadro de servidores da unidade com a contração de aprovados do concurso da Sesacre. Atualmente, o centro conta com 39 profissionais. O investimento foi importante diante da escalada da procura por serviços proporcionada pela pandemia de covid-19.
“Com a demanda aumentando, ter equipe sem que haja rotatividade de profissionais é fundamental na continuidade do nosso trabalho. A vinda dos novos servidores foi essencial para o Caps”, ratifica Ana Cristina Sales.