Início do ano é um período de recomeço e muitas pessoas aproveitam esse momento para traçar novos objetivos e metas em prol de um estilo de vida mais saudável. Reduzir ou suspender a ingestão de álcool, mesmo que de forma temporária, costuma estar entre as metas estabelecidas para o período seja para compensar os exageros cometidos no fim do ano ou simplesmente para eliminar algumas calorias da dieta. Tanto que, nos últimos anos, o movimento “Dry January” ou “Janeiro Seco”, em tradução livre, que começou no Reino Unido, tem ultrapassado as fronteiras e alcançado novos adeptos em outros países, incluindo o Brasil.
O movimento, criado em 2012 pela Ong Alcohol Change UK, incentiva as pessoas a começarem o ano sem bebida alcoólica por um mês inteiro. Pode parecer uma atitude inócua, por ser pontual, mas a verdade é que mesmo um breve período sem álcool é suficiente para trazer benefícios para a saúde.
De acordo com o psiquiatra Arthur Guerra, presidente do CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, muitas vantagens são observadas a curto prazo após a interrupção do consumo frequente de álcool.
— De maneira geral, a qualidade do sono costuma melhorar bastante, o que reflete em nas outras atividades do cotidiano, trazendo mais disposição. As relações sociais também tendem a melhorar, principalmente com as pessoas com quem você se relaciona frequentemente — afirma Guerra.
Há ainda melhora no desempenho em exercícios físicos, no bem-estar geral e nos sintomas de depressão e ansiedade. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), não existe uma ingestão “segura” de álcool. Mas, o consumo moderado – definido como até duas doses de álcool para homens e uma dose de álcool para mulheres em uma única ocasião – está associado a menores riscos para a saúde. Uma dose de álcool é equivalente a uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou um shot de destilado.
O consumo de qualquer quantidade acima disso, já é configurado nocivo. Mas é claro que, quanto mais se bebe maior é o risco de problemas físicos e mentais, incluindo danos no coração e no fígado, maior risco de câncer, sistema imunológico enfraquecido, problemas de memória e transtornos de humor. O consumo abusivo, aquele associado ao maior risco, é definido como a ingestão de 60 gramas ou mais de álcool, o equivalente a pelo menos quatro doses, em uma única ocasião, ao menos uma vez por mês.
No entanto, segundo Guerra, existem alguns sinais e sintomas que podem indicar a necessidade de repensar o padrão de consumo de álcool. São eles: sentir forte desejo de beber; ter dificuldade de parar de beber; priorizar a bebida alcoólica, relegando as outras obrigações e atividades; continuar a beber, a despeito das consequências negativas; e sentir abstinência física, ou seja, ter sintomas como sudorese, tremores e ansiedade quando não se está sob o efeito do álcool.
Para quem se identificou com os sinais acima ou simplesmente quer testar o autocontrole, desafios como o Janeiro Seco podem ser um bom incentivo para criar novos hábitos. Isso porque um mês de sobriedade não é tão longo a ponto de ser impossível de cumprir. Mas dura o suficiente para desencadear benefícios imediatos à saúde física e mental.
Além disso, de acordo com pesquisas, as pessoas que completam o desafio de ficar um mês inteiro sem beber, raramente retomam os velhos hábitos de consumo. Em geral, essas pessoas bebem menos a longo prazo e fazem outras mudanças que levam a melhorias notáveis em sua saúde e bem-estar.
Estudo publicado em 2018, na revista científica BMJ Open, mostrou que pessoas que abandonaram o álcool por um mês dormiram melhor, tiveram mais disposição e perderam peso, apesar de poucas ou nenhuma mudança em suas dietas, tabagismo ou níveis de atividade física. Eles também apresentaram redução na pressão arterial, nos níveis de colesterol, de resistência à insulina – um marcador de risco de diabetes tipo 2 – e de proteínas relacionadas ao câncer.
Elas também mantiveram uma redução significativa no consumo de álcool no longo prazo, saindo de um padrão classificado como “perigoso”, no início do estudo, para de “baixo risco”, oito meses depois. Outro trabalho, publicado em 2021 na revista Health Psychology, descobriu que a maioria das pessoas que aderem ao Janeiro Seco relatam, além das alterações acima, economizar dinheiro e uma melhor capacidade de concentração.
Benefícios adicionais incluem melhora do aspecto da pele e do cabelo. Para os fios, a principal consequência da ingestão excessiva de bebidas alcóolicas é o ressecamento e a quebra.
— O álcool é um diurético e a perda de água cutânea causa ressecamento e descamação da pele. A pele também tende a ficar avermelhada, pois a bebida dilata os vasos. Além disso, as rugas ficam mais visíveis, a pele fica mais oleosa e a rosácea piora. A produção de radicais livres também aumenta após a ingestão do álcool, o que favorece o envelhecimento precoce e a flacidez — explica a médica dermatologista Cintia Guedes, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
Independentemente da motivação e do curto período, a mudança de hábitos não é uma tarefa fácil. O grau de dificuldade para reduzir o consumo ou parar de beber dependerá das características pessoais do indivíduo, da quantidade de bebida que costuma ingerir e da presença de algum nível de dependência. Mas existem algumas orientações que podem ajudar nesse processo:
É importante alertar que pessoas que apresentam algum sintoma negativo por reduzir ou eliminar o álcool podem precisar de ajuda profissional. Uma pessoa com transtorno de uso de álcool, pode entrar em abstinência e apresentar sintomas físicos graves, como tremores, sudorese, batimentos cardíacos acelerados e até mesmo convulsões.
Para manter o consumo de álcool moderado após esse período, Guerra recomenda observar e praticar o aprendizado obtido durante a interrupção. Por exemplo, muitas pessoas podem sentir que é possível se divertir do mesmo modo com pouco álcool.
Além de apostar na moderação e não voltar a beber frequentemente, optar por bebidas que apresentam funcionalidades, como o vinho tinto e seco, que contam com o resveratrol, pode ser uma boa opção.
— Bebidas como cachaça, vodca, whisky e tequila tendem a ser absorvidas mais rapidamente e, no geral, são mais agressivas para o fígado. Ou seja, devem ser evitadas ou limitadas a quantidades menores que uma dose diária — avalia a médica nutróloga Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN).