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quarta-feira, janeiro 15, 2025

Marina: ‘Mais que derrotar Bolsonaro, é preciso derrotar o bolsonarismo’

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Candidata à Presidência da República em três eleições (2010, 2014 e 2018), a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva se inclui no mea-culpa que deve ser feito pelo campo democrático, com PT e PSDB à frente, pelos erros que ela entende terem sido cometidos e que permitiram a chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto.

“No terreno da política é preciso identificar o que poderia ter sido evitado que nos levou a uma tendência bolsonarista no tecido social brasileiro”, diz, cobrando que outros personagens deste campo façam a mesma reflexão. Antes de sinalizar qualquer apoio aos principais candidatos no campo à esquerda (seu partido, a Rede, se divide entre Lula e Ciro Gomes), ela cobra dos postulantes o compromisso com as causas ambientais e uma agenda que seja legitimada nas urnas.

Nesta entrevista a VEJA, ela nega guardar qualquer mágoa ou rancor em relação a Lula, de quem foi ministra, fala dos entraves à uma aproximação com o petista e Ciro e a formação de uma federação com o PSOL. 

Qual papel a senhora se vê desempenhando nesta campanha? O debate de ideias e propostas, sem separar visões e processos que estão interligados. Venho buscando participar desse debate buscando alternativas que nos levem a muito mais do que derrotar o Bolsonaro. É preciso derrotar democraticamente o bolsonarismo e criar um processo político em que a sociedade dê claramente sustentação para, mais que mudar de governo, mudar essa realidade que vai existir para quem for eleito. Metaforicamente, é um esforço comparável à uma reconstrução de guerra.

O que seria derrotar o bolsonarismo? Uma derrota política não significa que essas ideias deixem de existir. O Bolsonaro pode ser derrotado em outubro? Pode. Mas, na minha perspectiva, derrotar o bolsonarismo é acabar com a ideia de que políticas de direitos humanos, de proteção ao meio ambiente, de educação de qualidade e de transparência são políticas de esquerda. 

O que é preciso para um candidato conseguir o seu apoio? Eles têm que dizer o que eles estão apoiando. Eles estão apoiando a transição para uma economia de baixo carbono no contexto das mudanças climáticas? Eles estão apoiando uma nova governabilidade que não inclua se tornar reféns do Centrão? Não é mais a velha estratégia de ir lá e declarar apoio a candidato. Os candidatos precisam de forma humilde buscar apoio na sociedade dizendo que eles estão apoiando o combate à desigualdade, apoiando a educação e ciência, a proteção dos biomas brasileiros.

Alguma candidatura já sinalizou de forma positiva para essa agenda? O campo progressista já tem uma série de propostas nesse sentido, exceto na questão ambiental porque a visão desenvolvimentista prevalece até hoje na maioria do espectro ideológico brasileiro, seja de esquerda, de direita ou de centro. A agenda da sustentabilidade precisa ser assumida, não é algo que possa ser só um capítulo do programa de governo. É uma agenda transversal. 

Como a senhora recebe os estímulos para se aproximar do ex-presidente Lula e declarar apoio a ele? Faz parte da dinâmica democrática que as pessoas busquem, digamos, alinhamentos políticos para suas propostas. Eu tenho visto esses comentários na imprensa e às vezes nas redes sociais, mas eu nunca conversei especificamente com ninguém a esse respeito.

Há algum entrave a esta aproximação? Aparece muito essa informação de que é uma questão de mágoa ou de rancor. Eu não considero que exista nada disso da parte do presidente Lula em relação a mim e não trato absolutamente nada na base da mágoa e do rancor. O que há são visões diferentes. Só que quando se é mulher fica mais fácil querer desqualificar dizendo que é mágoa, que é rancor, que basta um pedido de desculpas. Um pedido de desculpas você faz de alguma questão pessoal. Reconhecimento de que erros foram cometidos ou que questões devam ser reconsideradas é uma atitude política.

Dentro da Rede há correntes favoráveis a uma aliança com o Lula e outras favoráveis ao Ciro. Uma sinalização da senhora não poderia deixar a posição do partido mais clara? A Rede está fazendo o seu debate e eu participo dele, mas nosso estatuto já estabelece que quando não é possível o consenso naquilo que não fere cláusulas fundantes do partido, é possível fazer a liberação. 

A Rede negocia a formação de uma federação com o PSOL, que deve caminhar junto ao Lula. Não ficaria dissonante começar uma aliança com essa divergência? Não é divergência porque o próprio estatuto que estamos trabalhando na federação prevê isso. A federação pode até oficialmente apoiar Lula, mas haverá a liberação em relação à Rede, e os quadros que não apoiarem não seriam caracterizados como infidelidade partidária. 

Mas essa liberação não vulnera a identidade partidária? Não. Muito pelo contrário, porque a Rede tem princípios fundantes. Se alguém quiser defender o fim da Amazônia ou apoiar uma candidatura como a do Bolsonaro, é algo que não tem como ser liberado. Somente dentro daquilo que não fere os nossos princípios fundantes é possível acontecer a liberação.

As críticas da senhora ao Lula foram muito conhecidas no momento da sua saída do governo em 2008. Elas ficaram circunscritas àquele momento ou elas aumentaram desde então? Essa questão se dá em uma quadratura mais ampla. Hoje nós temos que ver qual foi o resultado dessa história de dois partidos da social-democracia, o PT e o PSDB, que ficaram tanto tempo no poder após a reconquista democrática e o que brota dessa experiência com os ganhos que tivemos. Olhando para a história, nós temos que enxergar que o surgimento do Bolsonaro e do bolsonarismo foi algo que aconteceu neste terreno. Quais foram os erros que foram cometidos que fez com que a democracia não se ampliasse e a gente tenha um governo que é contra qualquer ganho civilizatório? É olhando para esse espaço histórico que nós temos que fazer as críticas e as autocríticas necessárias, reconhecendo ganhos. O que não pode acontecer é levantar que temos que reconhecer problemas que nos levaram a essa realidade seja considerado uma máxima ofensa.

No que toca à senhora, que foi senadora, ministra e candidata à Presidência da República, há alguma autocrítica a ser feita? Obviamente que eu não tenho como assumir os desvios éticos de absolutamente ninguém. Não posso me incluir neste pacote. Mas há outros erros, como a não institucionalização de políticas públicas, a falta de diálogo entre PT-PSDB. Disso eu não tenho como me excluir. Eu fui do PT durante muito tempo. Do ponto de vista das questões do campo democrático, os erros que foram cometidos merecem um “nós” magnânimo. É preciso olhar para esse espaço histórico e identificar o que poderia ter sido evitado que nos levou a, mais do que ter Bolsonaro, a uma tendência bolsonarista no tecido social. Eu acho que uma boa parte subestimou o Bolsonaro em 2018.

A senhora se inclui nesta avaliação? Me incluo. No começo eu achei que uma pessoa que defendia a tortura, a ditadura, com uma visão preconceituosa contra mulheres, contra indígenas, contra pretos, contra gays, não poderia chegar à Presidência da República. Isso é uma forma de subestimar. Mas sábio é aquele que aprende com os erros dos outros. Se já não foi correto subestimar o Bolsonaro em 2018, muito menos agora devemos subestimar o bolsonarismo.

É a presença do João Santana (marqueteiro de Dilma Rousseff em 2010 e 2014) que afasta a senhora da campanha do Ciro Gomes? Isso não tem a ver com uma questão pessoal. O João Santana tem a ver com uma questão de natureza política. 

Por quê? Ele foi a pessoa que inseriu as fake news, a mentira, a violência política como estratégia de levar uma candidatura ao poder. Isso diz respeito a uma questão pessoal ou de interesse público? Isso prejudica a uma pessoa ou a democracia? Se a gente chegar à conclusão de que foi um prejuízo puramente pessoal, aí não deve ser tratado com a magnitude que deve ter. Para mim, violência política, abuso de poder econômico, uso da mentira caracterizam um prejuízo que afeta o interesse público. A minha divergência é em relação a isso. Obviamente que eu não reduzo o Ciro Gomes ao João Santana. Tenho com ele uma relação de respeito. Nunca tratamos dessa história de ser vice ou não.

Mas essa situação interdita qualquer diálogo com o Ciro ou o Lula? Isso é um ponto fundamental para a senhora? O problema é que as pessoas querem que eu sinalize dizendo quem eu apoio. Eu estou dizendo que, para mim, a equação é: “com clareza, o que os candidatos estão apoiando?”. Não se trata de uma questão de “eu declaro o meu apoio porque a gente tem que ganhar no primeiro turno”. Eu entendo os argumentos que estão postos. Derrotar o Bolsonaro  é um imperativo ético, civilizatório, ambiental e humanitário. Dito isso, vamos verificar qual é a melhor forma de, mais do que mudar de governo, mudar a realidade. A realidade que precisa mudar para os pretos, para os pobres, para a proteção da biodiversidade ou para uma agricultura de baixo carbono. 

  • Fonte: Veja Abril.
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