No início de 2022, quatro comunidades amazônicas começarão a produzir seu próprio chocolate. Embalado, com um nome escolhido por elas no rótulo, feito como o cacau local, com origem rastreável e carregando a história e os valores da floresta. Trata-se de um passo a mais em direção a um processo de transformação da região, agregação de valor a seus produtos e inclusão no mundo via desenvolvimento econômico sustentável.
Enquanto o mundo discute formas de diminuir os efeitos das mudanças climáticas, projetos como esse, com potencial de unir desenvolvimento verde e renda na maior floresta tropical do mundo, se colocam em marcha no Brasil. Às margens de qualquer política pública, apontam para uma possível saída para a enrascada ambiental atual.
Há uma semana que líderes mundiais, cientistas e negociadores internacionais tateiam uma saída possível. Reunidos em Glasgow, na Escócia, na COP-26, a cúpula do clima da ONU, procuram consensos sob a pressão da urgência.
Distante milhares de quilômetros do Reino Unido, as comunidades que produzem seus próprios chocolates estão no Pará. São comunidades ribeirinha, extrativista, quilombola e uma gerida por mulheres trabalhadoras. O sucesso não vai ocorrer do dia para a noite, mas será resultado de um longo processo de preparação, treinamento, inclusão e autonomia desenvolvido pelo projeto Amazônia 4.0, que na última semana se transformou em fundação. Ela é resultado do trabalho dos irmãos Carlos Nobre, climatologista, e Ismael Nobre, biólogo.
O foco é manter a floresta em pé e desenvolver economicamente a região pela tecnologia, inteligência artificial e do que há de mais moderno e acessível. Ismael explica que o modelo se baseia em capacitar as comunidades para usar a tecnologia e levar um modelo de biofábricas para a floresta. “Hoje, o quilo do cacau é vendido a R$ 15, é negociado na Bolsa de Nova York. Mas, se não vendermos a matéria-prima assim e agregarmos valor em um produto com rótulo local, com a história da comunidade, da floresta, isso pode ir de R$ 200 a R$ 300 o quilo”, afirma.
No início do ano que vem, esse modelo será colocado a prova. “Não dá para esperar mais 30 anos em um processo que não coloque a floresta como o principal ativo da Amazônia”, diz Ismael. Para ele, esse norte poderia ser perseguido por uma política de estado no Brasil, mas ele não conta com isso. “Formatamos o projeto para funcionar sem a participação do governo. Não podemos depender da política.”
Ao Amazônia 4.0 se somará um projeto a ser lançado nesta terça-feira, 9, na COP-26. Desenvolvido pela organização Uma Concertação Pela Amazônia, uma rede de mais de 400 líderes, o objetivo é mudar a visão do Brasil sobre a região e transformar a floresta em ativo econômico. A rede é formada por representantes dos setores público e privado, academia e sociedade civil, reunida para buscar propostas e projetos para a floresta e as pessoas que vivem na região. O primeiro passo foi criar uma base de conhecimento sistematizado da região, que vai de educação a cultura, de infraestrutura ao uso da terra, de negócios a cooperação internacional. “O que está sendo feito é pegar tudo o que existe e está dando certo e mostrar que é possível ter convergência”, diz a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, que faz parte da rede.
Foram montados grupos de trabalho orientados com foco em temas como bioeconomia, engajamento do setor privado, juventude e ordenamento do território. Nesses núcleos passaram a discutir como ampliar projetos-chave para a região. Não se trata de valorizar apenas o que já existe, mas de levar inovações em políticas ambientais, sociais e econômicas e reconhecer a importância da forma como os povos locais se organizam. “Qualquer projeto de desenvolvimento tem que respeitar o desejo da população (para a Amazônia), principalmente da local”, diz o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, que enxerga possibilidades grandes para a região e se dedica a estudar, por exemplo, o mercado de crédito de carbono – um dos temas-chave em discussão em Glasgow.
O desafio, diz Levy, é levar para a região as inovações sem afetar a floresta. Ele cita o exemplo do dendê e da possibilidade de desenvolver biocombustível para a aviação a partir do fruto sem ter que derrubar a floresta. “Tem gente que gosta e tem gente que não gosta da ideia, mas a aviação também vai passar pela eletrificação das aeronaves. Mas isso vai levar um tempo”, diz. “Enquanto isso, é possível criar um mercado, uma janela para o investimento em um combustível que não e fóssil. A oportunidade existe.”
Enquanto isso, como mostrou o Estadão em setembro, a Cooperativa Agrícola Mista, com 172 produtores rurais de Tomé-Açu, 240 quilômetros ao sul de Belém, já explora recursos da Amazônia e produz polpa de fruta, pimenta-do-reino e cacau. Fatura R$ 46,5 milhões anuais.
Da necessidade de manter a floresta em pé, nasce outro mercado, o de crédito de carbono e o pagamento por serviços ambientais. Como o Estadão mostrou na semana passada, projetos de remuneração de produtores rurais que protegem as áreas nativas no Norte e Centro-Oeste do Brasil já estão em marcha. A aprovação do CPRVerde, certidão de crédito sustentável impulsionou um mercado estimado pelo governo federal em R$ 30 bilhões nos próximos quatro anos.
O projeto passa pela mudança na forma como a população encara a Amazônia. A floresta não pode ser um problema, mas a solução. “Minha vontade é que o brasileiro olhe para a Amazônia da forma como o Suíço olha para os Alpes. Precisa ser parte da identidade nacional”, diz Roberto Waack, que é atualmente coordenador da rede Uma Concertação Pela Amazônia.