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quinta-feira, dezembro 26, 2024

Parteira há mais de 50 anos, mulher canta músicas durante nascimento de bebês no Acre: ‘É um dom, vem na mente’

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“Acho que é um dom. No momento do parto vem aquela inspiração, foco na criança, no seu nascimento e vem junto uma música na minha mente”. É assim que nascem, junto com os bebês, as canções de Maria Zenaide Carvalho, de 65 anos.

Descendente de indigena, aprendeu a partejar com a avó e a mãe. Ela fez seu primeiro parto aos 10 anos em uma comunidade de Tarauacá, no interior do Acre.

Em mais de 50 anos, ela fez 306 partos – 306 crianças que nasceram embaladas pelas tradicionais cantigas de Zenaide. Agora, ela participa de um projeto de salvaguarda de ritmos acreanos e, com a ajuda da ONG Baquemirim, está gravando algumas dessas canções.

Ainda criança, ela conta que acompanhava a avó e a mãe nos partos, porém, como ainda tinha apenas 10 anos, ela não podia entrar nos quartos para ver o parto, mas ajudava fazendo chá e auxiliando em algumas coisas. Até que em 1967, ela ainda criança fez seu primeiro parto.

“Minha avó era índia Ashaninka e fazia partos em comunidades às margens do Rio Jordão. Ela ensinou minha mãe e eu acompanhei muito elas, não para ajudar no parto em si – naquela época criança não podia entrar no quarto, mas eu espiava. Até que quando eu tinha 10 anos eu fiz meu primeiro parto, era em uma comunidade de Tarauacá e tinha muitas mulheres grávidas que iam ter no mesmo dia. Então, fiz o que já tinha aprendido. Mas, não vou mentir, foi bonito, mas me assustei. Pra quem se forma nisso a primeira vez já é um choque, imagina para uma criança”, conta.

Mas, foi aí, exatamente no Seringal Boa Vista que nasceu a Zenaide parteira – que iria colecionar mais de 300 partos. Uma das parteiras mais tradicionais do estado, que formou outras parteiras e que é conhecida por manter a tradição de suas canções, que, assim como a profissão, também foram herança de mãe para filha.

Agora, Zenaide está gravando as músicas que faz durante os partos  — Foto: Diádina Souza/Arquivo pessoal

“É de geração em geração. Como eu disse, minha avó materna era índia e sempre ela cantava na hora dos partos, ela ensinou as canções para minha mãe e hoje eu mantenho a mesma tradição. Muitas mulheres dizem que quando eu canto elas esquecem um pouco a dor”, conta.

Os partos chegam a durar de 2 a 3 horas. Além das canções, sejam as de heranças ou as que cria na hora do nascimento, Zenaide também segue alguns rituais – como fazer o cordão de algodão para amarrar o umbigo do recém-nascido e também o uso de plantas medicinais para ajudar no processo.

Parteira anota todos os partos que faz em uma agenda  — Foto: Arquivo pessoal

Mesmo tendo suas tradições, a parteira respeita o desejo da mãe. A grávida que deve escolher onde e como quer ter seu filho. Questionada se atualmente ela ainda faz muito partos domiciliares, ela revela que somente na pandemia fez 11 partos de mulheres que não quiseram ir até o hospital. Todos anotados em um caderno, onde ela faz o controle de quem trouxe ao mundo. Atualmente, ela mora na zona rural de Rio Branco.

Entre todos os partos que fez, Zenaide disse que apenas dois não puderam ser feitos em casa e ela teve que encaminhar a grávida para o hospital por conta de complicações. Ela explica que a parteira é preparada para acompanhar e identificar qualquer anormalidade.

“Eu tenho várias tradições, como chá de algodão para não dar hemorragia na hora do parto e as músicas que canto. A mulher fica tão abismada que nem lembra que está sentindo dor. Acho que é um dom, a música vem na mente quando estou fazendo o parto”, conta.

Amanda Alves fez dois partos em casa com ajuda de Zenaide  — Foto: Arquivo pessoal

‘Processo consciente’

As mãos preparadas da parteira, com seus rituais e seu conhecimento levam segurança. Foi isso que a professora universitária e empresária Amanda Alves, de 38 anos, avaliou ao procurar Zenaide e fazer dois partos domiciliares com a ajuda dela.

Ela conta que desde sua primeira gestação pensava em ter sua filha em casa, porém, devido a complicações, precisou fazer uma cesárea, mas já na sua segunda gravidez, que não teve nenhum risco, ela decidiu que iria ter a segunda filha pelas mãos de uma parteira.

É importante destacar que a parteira acompanha a gestante e é extremamente necessário que a grávida faça o pré-natal com o médico. No caso de Amanda, o médico autorizou e Zenaide conseguiu acompanhar alguns passos da gestação.

Zenaide faz cordão de algodão para amarrar o umbigo do bebê assim que ele nasce  — Foto: Arquivo pessoal

“Na segunda gestação voltou a ideia de fazer o parto em casa. Para mim, o parto sempre foi um um evento familiar, foi quando eu comecei a procurar forma de fazer o parto em casa. Na época, em 2013, não consegui equipe médica, mas vi uma reportagem sobre a Zenaide e me interessei por ela”, relembra.

No início, Amanda não sabia por onde começar a procurar Zenaide, foi quando uma psicóloga, que também é doula, a apresentou. E foi aí que a professora conheceu a parteira, de traços indígenas, fala mansa e já com um histórico de muitas crianças trazidas ao mundo por ela Assim nasceu a segunda filha de Amanda, pelas mães e embaladas pela parteira. Atualmente, a segunda filha da professora tem oito anos.

Agora mais recente, para ser mais preciso, há dez meses, o terceiro filho de Amanda também nasceu em casa e pelas mães de Zenaide. “Quando conheci Zenaide, eu logo me identifiquei, mas claro que também pesquisei, sabia que ela trabalhava como parteira e então tinha muito preparo. Importante ressaltar que fiz todo o meu pré-natal com o médico, que determinou que o meu parto domiciliar era possível e qualquer intercorrência, a parteira sabe identificar, então foi um processo muito consciente”, destaca.

Das três gestações de Amanda, duas os partos foram em casa  — Foto: Narjara Saab/Arquivo pessoal

“Nasce uma criança, nasce uma música’

Zenaide chama as mães dos bebês que traz ao mundo carinhosamente de comadre e são muitas. Hoje, muitos bebês que ela viu nascer já deram luz a outros bebês.

Para ajudar na renda, além de parteira, ela faz artesanatos e alguns xaropes artesanais. Agora, para registrar e resguardar as canções que embalaram tantos partos no Acre, Zenaide está gravando essas músicas por meio de um projeto da ONG Baquemirim, que vem resguardando a arte, cultura e ritmos acreanos.

Em um dos trechos de uma música escrita por ela, cantada em um festival em 2019, a parteira fala do nascimento de Moara. Antes de cantar, ela explica que “quando nasce uma criança, nasce uma música na minha mente” e então, acompanhada de violão e percussão freneticamente no ritmo acreano, começa a cantar, como em forma de oração.

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