“Não tive condições para ensino mais avançado, sou ex-porongueiro, filho de empregada doméstica e o mais velho de sete filhos, não tive pai, então, minhas condições econômicas eram péssimas”. É assim que André Ramom, de 26 anos, começa a contar a sua história com a medicina.
De família humilde, ele pôde, nessa terça-feira (10), dar o abraço mais esperado na mãe e uma notícia que demorou sete anos para que pudesse ser dada: a aprovação no curso de medicina da Universidade Federal do Acre (Ufac).
O resultado saiu justamente no dia do seu aniversário de 26 anos. Anestesiado com a notícia, ele comemorou com os amigos e fez questão de ir até o trabalho da mãe, Vilenilde Arruda Maciel, de 48 anos. Ela trabalha como faxineira em uma academia de Rio Branco e foi lá que recebeu a notícia.
Um vídeo gravado pelos amigos de André mostra o momento de comemoração dos dois. Nas imagens, Vilenilde sai do estabelecimento e encontra o filho que diz: “Mãe, eu vim lhe avisar que não era uma ilusão, era só um sonho difícil e eu passei em medicina na Universidade Federal do Acre”, diz ele antes de um logo abraço emocionado na mãe.
Ela também não contém as lágrimas e agradece. “Esse é o melhor presente da mamãe. Graças a Deus, parabéns mesmo”, fala entre lágrimas.
O abraço sela uma parceria entre os dois. Vilenilde, mesmo sem muito estudo, sempre incentivou que os filhos trilhassem o caminho da educação. Mãe solo de sete filhos, ela sempre trabalhou como doméstica e faxineira e atualmente sustenta a casa sozinha.
Ela conta que não conseguiu terminar os estudos porque teve que trabalhar desde muito cedo. Para ela, ver o filho entrando na faculdade é motivo de orgulho e esperança.
“Tenho certeza que agora começa uma nova etapa nas nossas vidas. Estou com muito orgulho e espero que a gente consiga caminhar para uma vida melhor a partir de agora.”
André nasceu em uma comunidade da zona rural de Acrelândia, no interior do Acre, e conta que foi alfabetizado por meio do extinto Projeto Poronga, que era um ensino acelerado, usado nas comunidades rurais para tentar evitar a evasão escolar.
Quando mudou para Rio Branco, ele sempre estudou em escola pública e sentia dificuldades em diversas áreas do ensino.
Com ajuda de um vizinho e amigos, ele conseguiu terminar os estudos e começar um cursinho. O primeiro curso que passou foi em engenharia florestal, também na Ufac, mas logo depois teve uma greve e ele, que também estava insatisfeito com o curso, decidiu trancar.
“Conversando com meu vizinho e também com um professor, comecei a cogitar a medicina, foi quando comecei a olhar o curso com outros olhos e comecei a me dedicar para tentar passar no curso”, conta.
Os anos de tentativas não foram fáceis. André teve que lidar com a dificuldade de acesso à internet, materiais e também teve que trabalhar bastante nas áreas em que tinha algum tipo de deficiência no aprendizado. Além disso, em 2017 a mãe se separou do padrasto dele e novamente passou por momentos difíceis.
Mas, durante todo esse percurso, ele teve uma rede de amigos que sempre o apoiaram e, acima de tudo isso, tinha a mãe que acreditava no sonho dele e permitiu que ele se dedicasse aos estudos.
“A ajuda dela foi crucial, de deixar que eu ficasse em casa estudando porque nossa cultura no Acre e no Brasil é que quando uma pessoa pobre faz 19 anos ela tem que sair de casa e procurar trabalho e eu não, eu fui contra isso e as pessoas não entendem muito isso. Muitas vezes, eu fui chamado de vagabundo, mas continuei estudando e minha mãe entendia. Eu sabia que somente a educação ia poder me fazer virar a chave”, conta.
Nada na vida de André foi fácil. Mesmo se dedicando aos estudos, quando a coisa apertava em casa, ele fazia bicos para tentar conseguir dinheiro e ajudar a mãe. Ele limpava piscinas, roçava quintais, pintava casa, entre outras coisas.
“Não era trabalho de carteira assinada, mas pegava às vezes para ajudar minha mãe e de uma forma que não atrapalhasse meus estudos. Isso me ajudava e em 2019 ganhei uma bolsa 100% para fazer um cursinho pré-vestibular”, conta.
Ele chegou a fazer o cursinho por um ano, mas em 2020, com a pandemia, as aulas foram suspensas. Foi aí que o estudante teve que encarar outro desafio: estudar em casa.
A casa de André é de madeira e não tem estrutura para que ele estudasse de forma adequada. Com a pandemia do coronavírus, as bibliotecas também fecharam e foi mais uma vez onde pôde contar com a ajuda dos amigos.
“Eu sempre levantava e ia para a biblioteca da Ufac, mas fechou a pandemia e aí eu vou ser bem sincero, porque eu não conseguia estudar muito bem em casa. Eu não tinha internet e lá em casa esquentava muito, porque minha casa é de madeira. Foi aí que um amigo me ofereceu um quarto com ar-condicionado, computador e tive uma ambiente mais propício para me dedicar”, conta.
Ao mesmo tempo em que a dificuldade financeira impunha limites ao estudante, mas ele se sentia motivado a vencer – isso tudo com a ajuda de muita gente que acreditou no sonho do estudante.
André passou no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do 2º semestre com 731 pontos. No dia do aniversário, ele diz que não sabe o qual foi a maior felicidade: saber que passou ou a oportunidade de poder contar isso para a mãe.
“Fui até o trabalho da minha mãe, porque ela quem esteve comigo esses anos todos e eu não via a hora de contar pra ela. A maior felicidade de um vestibulando como eu é poder dar essa notícia para sua mãe, dá esse orgulho, é a melhor coisa, às vezes até mais importante do que a própria aprovação. A gente almeja esse momento, de podermos contar isso para a mãe”, conta.
Ele diz que a partir de agora sabe que novos desafios começam, mas acredita que esse é o pontapé inicial para mudar de vida.
“A expectativa basicamente vai continuar a mesma luta até me formar, são cinco ou seis anos até me formar, claro que a Ufac dá grande apoio em bolsas alimentação e isso vai me ajudar muito em casa e muitas pessoas dizem que vão me ajudar neste caminho. Muita gente diz que o difícil é sair da faculdade, mas eu penso o contrário. Agora que consegui entrar, consigo vislumbrar uma mudança de vida. Passar em medicina, além de uma realização do sonho, é a grande oportunidade de mudar de vida e fazer a casa da minha mãe que ainda é de madeira. Por isso que tem todo aquele sentimento no vídeo”, diz.
Dos outros seis irmãos de André, a mais nova tem 7, outro tem 11, gêmeos de 16 anos, um de 19 e outro de 20 anos, que também faz curso de engenharia florestal na Ufac.
Como irmão mais velho, ele diz que sempre quis ser exemplo para os mais novos e incentivar que eles trilhem também o melhor caminho pela educação.
“Medicina sempre foi uma coisa não muito palpável para nossas condições. Às vezes, eu tinha a sensação que eu não ia conseguir e o que me motivava a continuar é que eu queria ser espelho para eles e queria mostrar que uma hora tudo dá certo. A educação é o caminho mais garantido para mudar de vida”, finaliza.