SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A derrota de Donald Trump nos EUA aumenta a sensação de isolamento do governo brasileiro nas Américas e enterra definitivamente o sonho de uma coalizão de direita no continente.
Em dezembro de 2018, antes mesmo da posse de Jair Bolsonaro na Presidência, o futuro parecia promissor para as lideranças da direita hemisférica reunidas em Foz do Iguaçu (PR), no que foi batizado de 1ª Cúpula Conservadoras das Américas.
Seu organizador e anfitrião era um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o que emprestava à reunião um ar de evento semioficial.
Naquele momento, a Argentina era presidida por Mauricio Macri, enquanto o chileno Sebastián Piñera era visto como um possível modelo de líder conservador para Bolsonaro. Mais importante, obviamente, havia a força política de Trump pairando sobre a direita das Américas.
No mês seguinte, janeiro de 2019, o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, declarou-se chefe de Estado e pareceu por um certo momento ser uma alternativa real ao regime chavista.
Num cenário em que controlasse Argentina, Brasil e Venezuela, a direita formaria uma espécie de cordão na América do Sul, inviabilizando a reedição da onda vermelha da primeira década deste século.
Em novembro de 2019, a direita avançou ainda mais uma casa, com a renúncia do presidente boliviano, Evo Morales, após pressão dos militares. Um dos expoentes da esquerda sul-americana, ele foi substituído por uma direitista até então pouco conhecida e de credenciais conservadoras inegáveis, Jeanine Añez.
Rapidamente, a nova presidente boliviana, ligada a movimentos evangélicos, e o governo Bolsonaro deram início a uma aliança com intensa afinidade ideológica.
No último ano, no entanto, a curva política se inverteu. Bolsonaro passou por um processo crescente de isolamento no continente, que culmina agora com a derrota do maior dos aliados, Trump.
“Bolsonaro, ao fazer torcida aberta por Trump, colocou-se numa posição de vulnerabilidade em sua política externa. [Joe] Biden já disse que não vai ter relação cordial com o Brasil se não houver reciprocidade”, diz Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas.
Essa reciprocidade, segundo ele, passaria pela substituição de duas figuras-chave da política externa brasileira: o chanceler Ernesto Araújo e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Para Casarões, a política externa do governo Bolsonaro é “muita narrativa, muita espuma e pouca ação”. “A estratégia agora é de tentar readequar a narrativa para fingir que o Trump não é tão importante”, diz.