Com o anúncio da construção da estrada que liga o Acre ao Peru, pelo Parque Nacional da Serra do Divisor, no Vale do Juruá, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão pediu ao Ministério Público Federal que avalie a abertura de um inquérito civil para apurar supostas irregularidades que estão sendo cometidas durante o processo.
A rodovia deve ligar os municípios de Cruzeiro do Sul, no interior do Acre, a Pucallpa, no Peru. O superintende do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) no Acre, Carlos Moraes, afirmou que o processo está em fase inicial e que a previsão é que até o final deste ano seja lançado edital para contratação de estudo de viabilidade técnica da obra.
Em visita ao Acre no último dia 25 de setembro, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo anunciou recursos de R$ 45 milhões destinados para obras em rodovias no interior do estado.
Embora ele não tenha anunciado nenhuma medida concreta para que essa ligação seja feita, Araújo disse que a construção da estrada é uma possibilidade de desenvolver o comércio e investimentos com um parceiro tradicional do Brasil que, às vezes, é afastado por causa da infraestrutura.
Em novembro do ano passado, foi dado o primeiro passo para a construção da estrada com a abertura de uma trilha de cerca de 90 quilômetros até o município peruano de Puccalpa.
“Na verdade está tudo numa fase bem inicial, temos só a pretensão de se fazer o empreendimento. Não tem nem previsão para obra e sim previsão para contratação dos estudos, nenhuma fase de licenciamento ambiental vai ser pulada. Até o final desse ano, devem ser contratados os estudos preliminares, para o projeto básico, que serão necessários para o licenciamento ambiental. O empreendimento não está nem no papel ainda”, afirmou o superintende.
Apesar da divulgação do governo de que a licitação dos estudos deve ter início em dezembro, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão afirmou que não há nenhuma notícia de que tenha sido feita consulta prévia aos povos indígenas e comunidades tradicionais da região.
O procurador regional dos Direitos do Cidadão Lucas Costa Almeida Dias afirmou que a consulta aos povos indígenas e comunidades da região antes de iniciar qualquer processo é fundamental para a revisão do projeto inicial ou até a sua não realização.
O MPF lembrou ainda que a Justiça Federal em Cruzeiro do Sul já chegou a proibir a exploração do gás de xisto pela Petrobrás na região enquanto essa consulta não fosse realizada junto às comunidades impactadas pela atividade.
Para a procuradoria, a construção da rodovia pode ser o maior impacto ambiental que o Acre já sofreu nas últimas décadas. Segundo o órgão, o asfaltamento pode causar diversos impactos sociais às comunidades tradicionais que vivem na região, como a violência, a prostituição, o alcoolismo, o surgimento de novas endemias, a restrição das áreas de caça e os conflitos com madeireiros, garimpeiros e narcotraficantes.
Com relação à consulta pública, o superintende do Dnit disse que vai ser feita no momento oportuno.
“Isso ocorre no âmbito do processo de licenciamento ambiental, quando são ouvidas as comunidades indígenas, tradicionais, os órgãos gestores da unidade de conservação. Então, todos esses atores são ouvidos durante esse processo, que nem foi estartado ainda”, afirmou Moraes.
A estrada, pelo que foi divulgado pelo governo, deve ter seu traçado por dentro do Parque Nacional da Serra do Divisor, unidade de conservação de proteção integral, considerado um dos locais de maior biodiversidade do planeta, onde estão localizadas duas terras indígenas (Nukini e Nawa).
Além disso, segundo o MPF, há informação de que no local residem grupos indígenas isolados, que circulam entre o Brasil e o Peru.
Um projeto de lei que quer modificar a categoria da unidade de conservação Parque Nacional da Serra do Divisor segue parado na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra). A mudança permite a ocupação humana e exploração dos recursos naturais no local.
O PL foi apresentado pela deputada Mara Rocha (PSDB). No texto, a deputada diz ainda que a reclassificação da unidade de conservação vai ser importante para “alavancar” a construção do trecho da BR-364 que vai até o Peru.
Além de alterar a categoria da unidade de conservação, o projeto apresentado sugere a redução dos limites da Reserva Extrativista Chico Mendes (Resex) em quase oito mil hectares.
Uma petição online que pede o arquivamento do PL já ultrapassou 86 mil assinaturas e aguarda a designação do relator para enviar nota técnica explicando a importância de manter a categoria da Serra do Divisor e de não alterar os limites da Reserva Chico Mendes, a Resex.
Fonte: G1 Acre.