Educadores revelam como é trabalhar distante dos grandes centros, num verdadeiro sacerdócio pelo ensino a crianças, jovens e adultos
Francisco Alberto Pilvino Shanenawa, 51 anos, 17 deles como professor na Educação Indígena, mudou-se no início deste ano para dentro das terras do Projeto de Assentamento Walter Arce, na zona rural do Bujari. Ele é professor do 1º ao 5º ano do ensino fundamental 1, na escola estadual rural Pedro Gomes de Lima, a 14 quilômetros do município do Bujari, dentro do assentamento destinado à reforma agrária.
Rogério Nogueira de Mesquita, 27 anos, é formado em geografia e servidor do quadro administrativo da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (SEE). Tornou-se gestor da escola estadual rural Nova Vida, no Projeto de Assentamento Espinhara 2, também destinado à reforma agrária. Tem mestrado e atualmente conclui doutorado na área de sexualidade no campo, pela Universidade Federal de Rondônia.
Sabrita Cruz da Silva, 24 anos, formada em Física, está concluindo mestrado profissional, nacional, na sua área de ensino, pela Universidade Federal do Acre (Ufac). É professora há três anos na escola Nova Vida, onde também leciona do 1º ao 5º ano do fundamental.
O que esses três educadores têm em comum, além da resiliência para trabalhar em locais praticamente inóspitos – onde no inverno a chuva isola, e no verão, a poeira desanima -, é o amor pelo ensino transformando suas vidas num verdadeiro sacerdócio pela Educação.
“Hoje, o nosso orgulho é poder fazer uma educação inclusiva, com vários projetos que envolvem diretamente a comunidade, que é o papel da escola”, ressalta ele, com a propriedade de quem respira educação nas 24 horas do dia.
Uma ou duas vezes por semestre, Mesquita se ausenta para dar cabo aos estudos do doutorado em Porto Velho. O curso é composto de módulos, o que permite que ele tenha flexibilidade de desenvolvê-lo.
Recentemente, a escola conseguiu um feito até então inédito, com a ajuda dos professores, dos estudantes e dos pais: produzir hortaliças em larga escala e abastecer a comunidade com o excedente da merenda escolar. Atualmente, a escola mantém uma série de projetos voltados para a agricultura, sobretudo, ao cultivo de repolho.
No entanto, a cordialidade de uma servidora administrativa possibilitou que ela fosse acolhida como mais um membro da família, ao ser convidada a morar na sua casa. Hoje, a jovem professora orgulha-se de trajar o uniforme de professor adotado por quase todos os docentes.
“Eu gosto do campo. Eu gosto da sala de aula. Lecionar bem é no que eu acredito, até porque entendo que uma formação bem-elaborada serve para que as crianças e jovens daqui busquem também o melhor do conhecimento”, diz.
No seu entendimento, a “Educação liberta, forma consciência e precisa ser levada também para a zona rural”. “Engana-se quem pensa que aqui só tem bobos. O jovem da zona rural tem potencial para ser tão competente e feliz na vida quanto o da cidade. É isso que nós, professores, incentivamos nas nossas turmas”.
Em dezembro de 2019, a escola Nova Vida passou por uma grande ampliação que a contemplou com mais quatro salas, quatro banheiros novos, além de uma cozinha e de um refeitório, todos em alvenaria.
Na última quinta-feira, 3, uma equipe liderada pelo secretário de Estado de Educação, Cultura e Esportes do Acre, Mauro Sérgio Ferreira da Cruz, esteve visitando a escola e inspecionando as obras de calçamento no entorno e da construção de uma parada de ônibus escolar coberta para os dias de inverno.
“Sem desmerecer os nossos professores, mas tenho muito orgulho dos que trabalham na zona rural. Muitas vezes, eles superam as dificuldades com o amor que possuem pela educação, e isso é muito importante para uma comunidade”, destaca o secretário Mauro Sérgio.
“Meu nome é Francisco Alberto Pilvino Shanenawa. Tenho 51 anos, a esposa, quatro filhos e 14 netos. Faz oito anos que me formei em pedagogia e concluiu, em seguida, a pós-graduação em psicopedagogia. No início de 2020, me mudei aqui para dentro do projeto [de assentamento Walter Arce], porque queria que meus filhos e meus netos viessem juntos para plantar e criar”.
A auto-apresentação de Pilvino Shanenawa é recheada de cordialidades, como ele costuma ser. O carismático indígena natural de Feijó, que há 17 anos tornou-se professor quando ainda na sua aldeia-natal, a Morada Nova, às margens do rio Envira, veio para Rio Branco morar na periferia. “Não gostei de tanta muvuca”, brinca ele. Arranjou um área de invasão no projeto de assentamento, para onde se mudou em janeiro com a mulher, três dos quatro filhos e outros quatro netos.
Hoje, na escola Pedro Gomes de Lima, a 14 quilômetros do Bujari (município a 24,1 quilômetros de Rio Branco), ele ministra aulas para alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental 1.
“Olha, digo um negócio ao senhor: viver na zona rural para mim, que sou índio, é a coisa melhor que existe. Mas viver aqui e educar as pessoas é muito mais que isso, é maravilhoso”, se empolga Pilvino Shanenawa, considerado pelos próprios colegas como um dos mais bem-capacitados professores da escola local.
Enquanto ele vai trabalhar, os quatro filhos,a esposa e os netos vão para o plantio de legumes e tratam da criação de frangos caipiras.
Com o crescimento populacional na região, sobretudo com as invasões dentro do projeto de assentamento, calcula-se que dobrou o número de pessoas morando no local, onde em 2019 estimava-se haver 800 famílias.
“Esse aumento os novos moradores já estará causando impacto na matrícula para o próximo ano”, prevê Laelia Muniz Occhi, gestora da escola Pedro Gomes de Lima. A instituição atende hoje a 260 estudantes distribuídos entre os ensinos fundamental e médio.