RIO — Há quatro meses, completados na última segunda-feira, Maura Silva, de 47 anos, deu um último abraço apertado em cada um dos alunos no fim da aula. O ritual, que se repetia todos os dias, precisou ser suspenso quando a pandemia do coronavírus os tirou de sala, limitando o contato diário da turma às telas de computadores em encontros virtuais. Mas a saudade foi apertando, e, no último fim de semana, a educadora da Escola Municipal Frei Vicente do Salvador, em Padre Miguel, na Zona Oeste, fez uma pequena maratona: acompanhada por um carro de som, percorreu 43 endereços para, devidamente paramentada por máscara e capa plástica que cobria quase todo seu corpo, abraçar outra vez os pequenos.
Na correria entre os endereços, Maura acabou esquecendo o celular em casa, mas não faltaram registros junto aos alunos. Pais e mães filmaram a reação dos filhos, que ficaram atônitos pela chegada surpresa da “tia”. No fim do dia, as imagens ganharam as redes sociais, e até ex-alunos dos mais de 25 anos de magistério da professora se emocionaram com a iniciativa.
— Tenho uma ligação muito intensa com eles, alguns estão comigo há cinco anos. Estava com muita saudade. Cada abraço foi essencial. Parecia que estávamos refazendo todas as conexões, o que ficou parado em março — diz a professora. — Nas videoaulas, as crianças já estavam falando, “tia, queria estar aí na sua casa para te dar um abraço”. Elas já estão no limite, e não têm noção do quanto fizeram bem pra mim.
Para que ninguém corresse riscos, Maura criou um “kit abraço”: comprou luvas e capas plásticas descartáveis para ela e cada aluno, e confeccionou máscaras de tecido com estampas coloridas. Cada proteção facial foi higienizada e vedada em embalagens individuais. Além disso, a professora entrou em contato com os responsáveis, para garantir que estivessem de acordo com a surpresa para as crianças. Para adoçar o encontro, os pequenos também ganharam um saquinho de guloseimas.
— Minha primeira preocupação era de que tinha que ser seguro. Fiz questão de abrir as embalagens na frente dos pais, para mostrar que estava tomando cuidado. São 57 alunos no total, mas alguns não estavam em casa, ou não achamos o endereço. Vou terminar os 14 que ficaram faltando em breve — garante a educadora.
Consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, a médica Tania Vergara observa que os cuidados tomados pela professora para evitar possível contaminação são fundamentais.
— É uma barreira (a proteção com capa e máscara). Precisa higienizar os dois lados (da capa, com álcool gel) muito bem a cada troca de pessoas — reforçou.
Música para Matheus
As visitas foram animadas. Além de Padre Miguel, onde fica a escola, Maura percorreu os bairros de Realengo, Bangu e Vila Kennedy na companhia de um carro de som. A trilha sonora foi escolhida a partir de músicas que os alunos costumavam ouvir em aula. A ideia da professora era que eles reconhecessem as canções.
E deu certo. Quando Maura chegou à casa de Matheus, de 9 anos, o carro tocava “Peça felicidade”, do trio Melim, e o menino, aluno há cinco anos com a professora, correu para ver o que estava acontecendo:
— Eu tinha falado que teria uma surpresa, e ele ficou ansioso. Eles têm uma ligação muito forte— conta Natielle Otoni, de 28 anos, mãe do garoto. — Foi maravilhoso. Ela é uma professora fora do comum, não fica só no básico, nas tarefas de aula. Ele ficou todo emocionado.
Na casa da esteticista Eloá Amorim, de 34 anos, a surpresa também foi grande, e não só para os pequenos. A professora chegou quando a família almoçava e transformou o domingo em festa.
— As crianças não sabiam de nada. João ficou sem ação. Fiquei com os olhos cheios d’água. Até meu caçula, que não é aluno dela, ganhou presente. Para quem tem irmão, ela fez tudo igualzinho como se fosse aluno dela também — contou Eloá, mãe de João Gabriel e Jonatas, de 8 e 7 anos.
Inquieta em sala de aula, sempre em busca de ideias criativas, Maura conta que, com a pandemia, tudo ficou mais desafiador. As atividades já tradicionais em sua sala de aula e os dias especiais, com sessões de cinema, lanches e brincadeiras e passeios ao AquaRio, à Floresta da Tijuca e à Bienal do Livro, já não podiam acontecer.
— A sala da minha casa agora é minha sala de aula. Pelas videoaulas, entro na casa das crianças todos os dias. Conheço a sala, o quarto, a cozinha. Não podemos agir como antes, ficarmos apenas nos conteúdos. Temos que inventar à distância. Tem que ser bom, tem que ser feliz — resume Maura.
Fonte: O Globo.