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Isolamento pela Covid-19 reconecta o povo Yawanawa com a medicina ancestral da floresta

“É preciso preservar a floresta para o conhecimento ancestral dos povos indígenas permanecer e ajudar a humanidade encontrar a cura para o Covid-19 e outras moléstias que ainda virão.” Esse aviso do Cacique Bira Yawanawa reflete o destrato com a natureza que tem trazido muito sofrimento ao mundo. Isolados nas aldeias do Alto Rio Gregório, desde que a pandemia de Coranavírus chegou ao Acre, o povo Yawanawa tem tido a oportunidade de fazer uma profunda conexão com os saberes tradicionais da sua cultura.

“Fui o primeiro a manifestar a minha preocupação porque eu sabia que essa doença é perigosa e poderia causar muita dor às nossas aldeias. Fechamos o nosso rio para nos isolarmos e não estamos recebendo visitas nesse momento. Ao longo desses três meses de isolamento tivemos que fazer alguns movimentos para buscar mercadorias, mas obedecendo os protocolos do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde (OMS), com os nosso canoeiros usando máscaras, luvas e higienizando os produtos que chegam às nossas aldeias,” relata o cacique.

A reserva Yawanawa está localizada no Alto Rio Gregório, no município de Tarauacá (AC), com cerca de 200 mil hectares de terras distribuídas por nove aldeias, e uma população de mais de mil pessoas. Portanto, não é fácil o controle de todos os moradores que eventualmente acabam indo para a cidade correndo o risco de contaminação pelo Covid-19. Segundo Bira, esse é um grande problema para todas as nações indígenas do país.

Cacique Bira Yawanawa num ritual sagrado com a fumaça da planta Sépa que afasta as doenças

“Pra nós é mais saudável morrer lutando do que doentes. Sonhamos com a paz, o amor, a cura e o bem estar para o nosso povo. Mas algumas das nossas lideranças têm o seu jeito de trabalhar. Muitos jovens não conhecem os problemas que envolvem essa pandemia. Então tem tido um vai e volta e um do nosso povo contraiu esse vírus e trouxe pra uma das aldeias. Não queremos achar culpado, mas sim curar toda a nossa família” conta Bira.

Paralelamente ao caso da liderança yawanawa que contraiu o Covid houve um sintoma de uma gripe forte em todas as nove aldeias que atingiu 80% da população.

“Cientes do que está acontecendo no mundo lá fora a gente já estava preparado para enfrentar essas ‘gripes’ com as nossas medicinas. Temos conhecimentos de muitos remédios de cura nas nossas histórias. Mas pouco os usamos depois do contato com os brancos há 150 anos. Mas esse saber está vivo e conseguimos enxergá-lo porque está no nosso jardim da floresta. Resolvemos fazer chás para toda a nossa família. Ainda mais depois que soubemos que numa das nossas primeiras aldeias na subida do Rio Gregório teve um caso positivo de Covid-19. Essa pessoa já está se tratando na cidade e nós recorremos às nossas medicinas para preservar o resto da nossa população,” explicou o cacique.

As lideranças Yawanawa e pajés Bira, Júnior e Putany

A cura do medo trazido pela pandemia

O cacique yawanawa entende que um dos elementos mais destrutivos na pandemia de Covid-19 é o medo. Ele teve que superar a apreensão trazida pelo contágio de um dos indígenas para garantir a saúde ao seu povo.

“Fiquei assustado com o que estava acontecendo. Tentei fazer de tudo para evitar esse contágio. Foram feitos vários testes em pessoas com sintomas parecidos, mas deram negativo. Então a gente tem a esperança que ainda as nossas aldeias não estejam contaminadas. Mas resolvemos criar um isolamento social interno por pelo menos 15 dias. Nenhuma aldeia pode visitar a outra. Assim a gente vai poder ver. Estamos usando as nossas plantas e fazendo chá pra todo mundo, testando as nossas medicinas. As pessoas que estavam com sintomas de gripe já curamos 99%. Agora estamos observando e quero trazer um profissional de saúde pra fazer testes nas pessoas, mas não nesse momento. Pode ser que não seja Covid, mas estamos tratando com as nossa plantas porque sabemos que a medicina ocidental não está curando essa doença,” refletiu Bira.

O processo de isolamento e a incerteza do momento planetário acometido pelo Covid-19 trouxe muitos temores a toda humanidade. E com os Yawanawa não foi diferente.

“No começo eu estava ficando doente de medo, mas depois que comecei a trabalhar nas nossas medicinas me incorporou uma energia de paz, de amor, de fé e de resistência. Estamos testando o nosso saber, recorrendo aos nossos conhecimentos ancestrais adormecidos que nunca fugiram aos nossos olhos e que voltaram a viver. Quem sabe um dia o mundo possa respeitar os saberes dos povos da floresta que poderão resolver problemas difíceis e graves pelos quais a humanidade está passando. A cura de muitas doenças pode estar entre nós. Mesmo que a sociedade e as autoridades não nos deem valor eu estou firme e forte nesse propósito. Não estou mais com medo por conta da minha reconexão profunda com a essência Yawanawa,” afirmou o cacique.

A cura do mundo vegetal

Bira Yawanawa revela algumas das plantas que foram utilizadas para fazer chás e inalações pelo seu povo para a cura dos sintomas da Covid-19.

“Misturamos cascas de árvores como a caranapanaúba, jatobá, cumaru de cheiro, unha de gato, quina-quina com plantas de cultivo como o boldo, o mastruz, a hortelã. O mais importante é a evaporação das plantas que usamos na dieta do muká (uma planta de visão dos pajés Yawanawa) que são perfumosas e têm muito poder. No cozimento das plantas sobe um vapor quente num lugar fechado como uma sauna. Isso limpa o corpo e o espírito deixando a pessoa com uma grande e tirando todo o mal estar” revela Bira.

Toda essa situação de medo e estresse possibilitou ao Bira uma profunda reconexão com o conhecimento ancestral de cura do seu povo e trouxe um novo momento à sua vida.

“Atravessando esse processo tive a sensação de ter nascido de novo do ventre da minha mãe. Estou pleno de alegria, paz, felicidade, coragem e desejo transmitir essa minha energia às pessoas do mundo inteiro. Quero dizer que é possível sim curar essas gripes. E se foi a Covid que esteve entre nós já sabemos tratar. A gente sempre conheceu as plantas, mas alguns preferiram usar as pílulas de analgésicos de brancos que estão prontas numa caixinha. Agora, como não podemos comprar nada disso estamos indo para a plantas que estavam esquecidas criando uma reconexão profunda com o nosso sagrado. Estamos muito atentos e manteremos o nosso isolamento torcendo pra que tudo passe o mais rápido possível,” profetiza Bira.

O recado da nova geração de guardiões da floresta

A juventude das aldeias Yawanawa tem sido preponderante para o povo atravessar os desafios trazidos pela pandemia de Covid-19. Bira Junior Yawanawa, filho do cacique, é uma das jovens lideranças que tem conduzido os trabalhos na Aldeia Nova Esperança que garantem a segurança alimentar das famílias.

“Estamos trabalhando forte nas nossas plantações para a nossa subsistência. A gente sempre complementava um pouco da nossa alimentação com o que vinha da cidade que não são coisas saudáveis. As limitações das nossas saídas da aldeia e as restrições para esses produtos chegarem até nós, aumentou o nosso empenho em plantar e estamos fazendo isso com um olhar mais maduro. A juventude da Aldeia Nova Esperança tem aprendido bastante ouvindo os nossos velhos mais experientes. Assim fazemos mutirões indo pra floresta e recolhendo as cascas de plantas pra fazermos chás e aprendermos mais com a nossa medicina. Estamos dando atenção ao que realmente interessa. Porque nada é por acaso e tudo tem um propósito. É só a gente saber enxergar com sabedoria e aprender com a natureza,” complementa Bira Júnior.

Ele ainda aconselha as pessoas que não vivem na floresta a fazerem uma reflexão sobre o atual momento planetário que poderá trazer muitos ensinamentos a toda humanidade.

“É um momento de cura e de grande aprendizado com essas experiências. Alguns estão atravessando de uma forma mais dolorosa, mas sempre existe a oportunidade de aprender. É uma oportunidade de introspecção pra cada um de nós. As pessoas precisam olhar dentro dos seus corações para poderem trabalhar a cura do corpo e da mente com um propósito que só depende de cada um. Se entregarem para o que é verdadeiro e necessário deixando de lado as coisas fúteis que só dispersam a nossa energia. Daqui a pouco vamos estar todos bem, recuperados e sairemos mais fortes. Porque não é a primeira vez que algo desse tipo acontece com a humanidade e nem será a ultima. Por isso, a gente tem que estar sempre preparados, fortes no espírito e no corpo para podermos encarar esse desafios com muita alegria, sabedoria e maturidade,” finalizou Júnior.

*Texto escrito por Nelson Liano Junior.

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