É na linha do tempo do Facebook que a família de Orleilson Fonseca Soares tenta matar a saudade do homem que morreu vítima de Covid-19 no último dia 11. O que mais gostava de fazer era cantar hinos da igreja para seus seguidores.
Orleison, que também trabalhava como motoboy, era conhecido como garganta de ouro devido à voz e dedicação na igreja em que participava.
Dias antes de morrer, em uma última transmissão no Facebook, ele direciona às palavras justamente para as pessoas doentes. Antes de começar a canção, no dia 22 de abril, ele falou palavras de esperança.
“Eu irei louvar o nome do senhor até eu viver na face dessa terra. Esse problema não é nada na frente do nosso Deus. Quero que coloque na sua mente que Jesus é o único caminho, a verdade para vida. Não tenho ouro nem tenho prata, mas o que tenho eu te dou que é a paz do senhor”, inicia o vídeo.
Aos 38 anos, o motoboy não tinha qualquer outra comorbidade que pudesse agravar o quadro clínico dele. Segundo a família, era saudável e gostava de trabalhar. Tanto que acreditam que ele tenha contraído a doença fazendo as viagens do dia a dia.
Tudo foi muito rápido, conta o irmão da vítima, o pedreiro Ailson Soares, de 48 anos. O irmão mais velho de cinco conta que teve que enterrar o segundo irmão em um espaço de dois meses. Segundo ele, dois meses antes de perder Orleilson, uma irmã morreu.
“Foi tudo muito rápido. Ele vinha sofrendo com alguns sintomas há umas duas semanas, mas quando procurou a UPA disseram que era virose. Voltou para casa, até que na semana foi piorando cada vez mais. No domingo [10] já teve que ir na UPA, ficou internado e morreu na madrugada de segunda [11]”, conta o irmão.
‘Cara bacana’
Além do apelido de garganta de ouro, o cantor também era conhecido pelos amigos por Theo devido à aparência com o ator Theo Becker. No dia a dia, o irmão conta que ele era dedicado ao trabalho, à mulher e filha, de 9 anos.
Natural de Cruzeiro do Sul, ele morava em Rio Branco há 12 anos. Veio com o intuito de melhorar de vida. Cantar era o que ele mais gostava e usava e abusava das redes sociais para mostrar seu dom.
Hoje, a página é um arquivo de memórias do que ele foi. “Ele era novo, cheio de vida. Não tinha nenhuma complicação. Aconteceu tudo depois dessa Covid”, diz o irmão ainda emocionado.
‘Impressão que nada aconteceu’
Para o Ailson, a perda é tão rápida que a ficha demora a cair. Ele esteve com o irmão três dias antes de ele se internar. Hoje, ele olha com surpresa a última postagem do irmão do dia 10 de maio, quando disse que não usaria mais o Facebook.
“Ele postou isso e brinquei, porque ele já tinha postado uma vez. Mas, agora me parece uma despedida”, revela.
Coube a ele, como irmão mais velho, resolver os processos burocráticos do enterro. É unânime entre as famílias o sentimento desolador de não poder se despedir de alguém tão querido.
Talvez por isso, a ficha demore tanto a cair. “Fui na UPA fazer o reconhecimento e fiquei 2 metros distante do corpo do meu irmão. O pior de tudo é quando colocam naquela lona preta, aquilo ali é pra matar o coração de qualquer”, diz com a voz ainda embargada.
Com o passar dos dias, a falta vai comprovando que o irmão já não está mais ali. “Quando completou os sete dias é que a ficha caiu totalmente. Até aí, a gente vai segurando, tentando ser forte. Como é tudo muito rápido, a impressão é que nada aconteceu, mas com os dias passando, a falta vai apertando”, conta emocionado.
As lembranças, neste momento, são refúgio. Nos vídeos postados pelo irmão, Ailson pode matar um pouco da saudade. “O negócio dele era ir para igreja cantar, na linha do Facebook ele vivia cantando e é assim que quero lembrar dele”, finaliza.
A mulher e filha do cantor também fizeram o exame pra Covid-19 e testaram negativo, segundo o irmão da vítima.
Por Tácita Muniz, G1 Acre.