FOLHA DE SÃO PAULO – “Eu não consigo respirar.” Mais uma vez o apelo desesperado ecoou nos EUA. Mais uma vez um homem negro implorou para que um policial branco o soltasse de um sufocamento. Mais uma vez a cena foi filmada antes de terminar em morte.
Na noite de segunda-feira (25), foi a vez de George Floyd. Aos 46 anos, ele morreu depois de ter sido algemado e ter o pescoço prensado contra o chão pelo joelho de um policial em Minnesota.
As imagens e a voz estremecida de Floyd foram registradas por uma pessoa que passava pelo local em um vídeo que viralizou na internet.
A cena gerou protestos no início desta semana, além de uma investigação do FBI, a polícia federal dos EUA, e resultou na demissão dos agentes que participaram da ação.
O episódio lembra o que aconteceu em 2014 com Eric Garner, morto após ser preso em Nova York. Com o pescoço envolvido pelos braços de um policial branco, o homem, que era negro, repetiu “eu não consigo respirar” 11 vezes antes de morrer.
Floyd seguiu o mesmo roteiro de Garner e de tantos outros homens negros nos EUA.
Segundo o Departamento de Polícia de Minneapolis, Floyd foi preso no início da noite de segunda e morreu após “um incidente médico durante uma interação policial.”
Os agentes afirmam que responderam a um chamado segundo o qual um homem tentava usar cartões ou notas falsificadas em uma loja de conveniência na cidade. Ao chegarem ao local, segundo a polícia, Floyd estava sentado em cima de um carro e resistiu à prisão.
O vídeo que correu as redes sociais nesta semana não mostra o que aconteceu antes dos quase cinco minutos nos quais Floyd ficou sob o joelho do policial.
Na filmagem, porém, é possível ouvir diversas pessoas que se aglomeravam em volta da cena pedindo que o agente parasse e alertando que o nariz de Floyd sangrava.
Após alguns minutos, o homem imobilizado para de se mexer e fica em silêncio, antes de ser colocado em uma maca e levado em uma ambulância. Perto das 22h, ele foi declarado morto pelo hospital da região.
A batalha popular e judicial começou no dia seguinte, quando a família de Floyd pediu que o policial seja condenado por assassinato. Indignadas, centenas de pessoas foram às ruas para se manifestar contra o abuso de força cometido pelo policial.
“Eles o trataram pior do que eles tratam animais”, disse Philonise Floyd, irmão de Floyd, em entrevista à CNN.
O prefeito de Minneapolis, o democrata Jacob Frey, por sua vez, foi a público dizer que pediu ao FBI investigações sobre possível violação dos direitos humanos. Acrescentou que demitiu o agente que estava com o joelho sobre o pescoço de Floyd e outros três policiais que acompanharam a ação.
“Ser negro nos EUA não deve ser uma sentença de morte. Por cinco minutos, vimos um policial branco pressionar o joelho no pescoço de um negro. Cinco minutos”, escreveu o prefeito em sua conta no Twitter.
Virtual candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden comparou o caso de Floyd ao de Eric Garner e disse que o cenário reflete as injustiças que ainda existem nos EUA. “George Floyd merecia mais, e sua família merece justiça”, disse ele.
Segundo o jornal The New York Times, durante os protestos na terça-feira, a imprensa local noticiou que duas pessoas foram baleadas em Minneapolis, mas um porta-voz da polícia da cidade afirmou que o incidente aconteceu longe do local das manifestações, sem ferimentos fatais.
Após a repercussão negativa do caso, a polícia de Minneapolis atualizou o comunicado oficial sobre a morte de Floyd, sem citar o vídeo, porém.
Intitulada “Homem morre após incidente médico durante interação policial”, a nota agora diz que informações adicionais haviam sido disponibilizadas e que o FBI estava se juntando à investigação.
Na primeira versão, o texto dizia que Floyd havia “resistido fisicamente aos policiais” e que “parecia estar intoxicado”. Depois de algemá-lo, segue o comunicado, os agentes “notaram que ele parecia estar sofrendo de problemas médicos” e que nenhuma arma havia sido utilizada na ação.
Mesmo com a entrada do FBI nas investigações, o Departamento de Polícia estadual disse que também está conduzindo sua própria apuração sobre o caso.
Em entrevista nesta terça, a chefe da polícia de Minneapolis, Medaria Arradondo, afirmou que a política de uso da força “para colocar alguém sob controle” será revisada.
O prefeito Frey, porém, afirmou que não sabia como a nota inicial havia sido escrita, chegando à conclusão de que a causa da morte foi um “incidente médico”, mas que queria ser o mais transparente possível sobre o tema.
“Isso é o tipo de coisa que você não esconde a verdade, você se apega a ela”, afirmou. “Se isso apontar o racismo institucional pelo qual ainda passamos hoje, bem, significa que temos muito trabalho a fazer.”