O sonho do administrador Marlucio Pinho, de 40 anos, era conhecer Machu Picchu, sítio arqueológico inca no Peru. O desejo vem “desde quando eu tinha 12 anos e vi uma foto em um livro na biblioteca da escola”, conta.
Hoje, ele está em Callao – cidade na região metropolitana de Lima, onde se encontra Aeroporto Internacional Jorge Chávez – num apartamento de quarto e banheiro, com cerca de 10 m².
Se alimentando a base de banana e pão, ele, como muitos brasileiros que estão em outros países, não sabe quando volta para casa.
Sem cancelamento e sem saída
Pinho decidiu ir ao Peru após meses de muito trabalho. Sua esposa, que não quis acompanhá-lo por não gostar de caminhadas, e seus filhos ficaram em Campinas (SP), onde moram, enquanto o pai estaria fora por três dias em viagem.
Diante das incertezas causadas pela epidemia de coronavírus, Pinho cogitou cancelar a viagem. Tentou contato com a empresa responsável pelo seu pacote turístico, a Decolar, e diz não ter conseguido. Diante da perspectiva de perder o dinheiro já gasto, optou por seguir o roteiro.
O administrador chegou a Cusco por volta das 12h30 de domingo (15), quase oito horas antes de o presidente Martín Vizcarra anunciar o fechamento das fronteiras do país. Pinho soube da notícia por um amigo que mora em Lima.
Tentou ligar para a Latam e para a Decolar, mas sem conseguir contato, foi até o aeroporto internacional de Cusco. “Estava frio, chovendo e quando cheguei já tinha uma fila de pessoas de todas as nacionalidades. Na porta, taxistas ofereciam 500 soles (cerca de R$ 725) para nós levar até Puerto Maldonado (cidade peruana cujas estradas dão acesso ao Brasil via Acre)”.
Desesperado, Pinho fez o mesmo que muitos outros turistas: tentou comprar uma nova passagem. Que fosse para o Brasil ou qualquer outro país vizinho que ainda estivesse com suas fronteiras abertas. Tudo em vão. “A compra não finalizava e o preço da passagem estava absurdo. Custava R$ 8 mil, R$ 10 mil reais, e eu nem conseguia contato”.
Por fim, no aeroporto, o turista comprou uma passagem da Latam para Lima na expectativa de conseguir um voo até o Brasil. Chegando lá, foi expulso do aeroporto pelo Exército.
Sem ter para onde ir, ele conseguiu, por meio da sua esposa no Brasil, reservar um apartamento próximo do aeroporto por 500 dólares (cerca de R$ 2566), por 10 dias. “Aqui não tem refeição. A proprietária me deu uma toalha e um sabonete, e é o que eu tenho. Há uma mercearia perto onde posso comprar coisas como pão, uma ou outra fruta e água. Não tem carne, arroz, nada que eu possa cozinhar”.
Seu estoque de mantimento se resume a dois pacotes de pão, cinco maçãs, quatro bananas, uma garrafa de água de 2,5 litros e um refrigerante de 2 litros. Agora, ele só tem 120 soles (R$ 173) para se manter pelos próximos dias.
Nas ruas, Pinho lida com o preconceito. “As pessoas te olham como quem diz “você tem o vírus então nem chega perto de mim””.
Perguntado se buscou ajuda da embaixada, Pinho conta que entrou em contato pelos meios disponíveis, inclusive, um número de WhatsApp específico para brasileiros em situação alarmante. Segundo o turista, não recebeu nenhum tipo de apoio além das orientações de preencher os formulários e seguir as medidas determinadas pelo governo peruano enquanto voos para brasileiros são providenciados.
Resposta da embaixada
Através de seu site, a Embaixada brasileira em Lima afirma que solicitou ao Ministério das Relações Exteriores do Peru esclarecimentos sobre autorizações e procedimentos para saída do território peruano por via terrestre com veículos particulares.
“Novas informações serão divulgadas tão logo haja resposta por parte do Ministério das Relações Exteriores peruano.”
Resposta do Itamaraty
Em resposta oficial, o Ministério das Relações Exteriores informa que os “Consulados e Embaixadas do Brasil acompanham de perto a situação gerada por eventuais fechamentos de fronteiras por conta da pandemia de coronavírus, com especial atenção ao caso de turistas brasileiros buscando retorno”.
Eles recomendam a todos os cidadãos brasileiros no exterior que mantenham a serenidade e observem estritamente as medidas determinadas pelas autoridades locais, e que, se necessário, busquem contato com o Consulado ou Embaixada do Brasil responsável pela região onde se encontram.
O órgão afirma que as embaixadas e consulados do Brasil continuam em funcionamento, mesmo com os depoimentos contrariando a afirmação.