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sexta-feira, novembro 29, 2024

Em ação contra família do governador do Acre, STF julgará prescrição de dano ambiental

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O Supremo Tribunal Federal deverá definir no próximo dia 11 de setembro, se dano ambiental é passível de prescrição e se sim, qual seria este prazo. O caso em questão diz respeito a uma disputa que dura mais de 20 anos, entre a família do governador do Acre, Gladson Cameli (PP) e os povos indígenas Ashaninka.

Os índios acusam as madeireiras da família do governador de invadir suas terras para explorar madeiras nobres. Segundo os indígenas, as invasões ocorreram em três ocasiões: 1981, 1985 e 1987.

Em 1996, a Associação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA), denunciou os donos das empresas madeireiras à justiça. A Ação Civil Pública de indenização se arrasta há mais de trinta anos no sistema judiciário brasileiro.

Os réus foram condenados em primeira instância na Justiça Federal do Acre, em segunda instância no Tribunal Regional da 1ª Região em Brasília e, também, no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os réus então apelaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) onde o processo está desde 2011.

Segundo o advogado Antonio Rodrigo Machado, este caso é muito importante para o meio ambiente no Brasil. O julgamento do STF definirá qual prazo de prescrição de um crime ambiental.

“Esse prazo prescricional, que é uma questão jurídica, poderá ser definido como imprescritível, ou seja, o Estado não terá um tempo definido para poder punir e buscar reparação de todos aqueles que causarem danos ao meio ambiente”, ou definirá uma data para a prescrição, explica o advogado.

Escândalos recentes

O governador Cameli esteve recentemente envolvido em outro escândalo ambiental. Segundo matéria do G1, publicada em julho deste ano, o governador teria dito para produtores rurais não pagarem multas ambientais aplicadas pelo Imac.

“Quem for da zona rural e o Imac tiver multando alguém, me avise, porque não vou permitir que venham prejudicar quem quer trabalhar. Me avise e não pague nenhuma multa, porque quem tá mandando agora sou eu. Vou pedir a Assembleia, vou mandar estudar lá [Transacreana], porque não sei de tudo, pra ver como são os trâmites, mas não pague, não. Eu que tô mandando porque estão lá porque sou eu que nomeio. Não pague, quem manda sou eu”, disse o governador.

Em nota ao site, o governo afirmou que os produtores viviam traumatizados.

“Havia uma nítida perseguição no ambiente rural do Acre. Nossos produtores não tinham esclarecimento quanto às leis. O que não se faz conhecido, não pode ser praticado. Vivemos na Amazônia e sabemos muito bem cuidar dela. E em nosso governo iremos respeitar a legislação, ampla e irrestritamente, sem constranger quem vive da terra, levando orientação para tornar suas atividades legais e promotoras de melhoria na qualidade de vida de quem vive no campo”, diz a nota.

Carta dos povos indígenas

Em maio de 2018, a APIWTXA publicou uma carta no site do Instituto Socioambiental  sobre o caso envolvendo a família do governador. Confira o conteúdo desta carta na íntegra:

Carta Aberta da APIWTXA sobre decisão judicial que afeta a Terra Indígena Kampa do Rio Amônia.

Na década de 1980, empresas madeireiras da família Cameli causaram profundos danos ambientais e culturais ao povo Ashaninka do rio Amônia. Para explorar madeiras nobres, principalmente cedro e mogno, essas empresas invadiram o território ashaninka em três ocasiões: 1981, 1985 e 1987. As madeireiras abriram dezenas de quilômetros de estradas e ramais na mata, afetando mais de ¼ da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia. A exploração predatória de madeira levou a consequências dramáticas para o meio ambiente e os Ashaninka. Enormes parcelas de floresta foram destruídas, empobrecendo significativamente a biodiversidade da região. As explorações madeireiras afugentaram a caça e poluíram os rios. Enquanto os donos das empresas lucravam milhões de dólares no mercado internacional com a venda de madeira nobre, o povo Ashaninka do rio Amônia, cujo modo de vida é baseado na agricultura de subsistência, pesca, caça e extrativismo, vivia a pior crise de sua história: trabalho forçado para os madeireiros, doenças, mortes, perdas culturais, etc.

Aos poucos, os Ashaninka do rio Amônia se organizaram e se recuperaram do trauma sofrido. Expulsaram os madeireiros, lutaram para a demarcação de sua terra e iniciaram uma longa luta pela recuperação ambiental do seu território com projetos de reflorestamento e de desenvolvimento sustentável. Essas ações se estenderam progressivamente a toda a região do Alto Juruá, beneficiando populações indígenas e não indígenas.

Ao longo dos últimos trinta anos, as ações dos Ashaninka do rio Amônia em prol do desenvolvimento sustentável não só do seu território mas de toda a bacia do Alto Juruá, uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta, têm recebido importante reconhecimento nacional e internacional. A Associação dos Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA) tem sido periodicamente homenageada com vários prêmios por suas ações em defesa do meio ambiente e da Amazônia em geral. A última dessas homenagens foi a outorga do Prêmio Equatorial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), recebido na sede da ONU, em Nova Iorque, em setembro de 2017.

A luta constante e incansável dos Ashaninka do rio Amônia para a proteção da Amazônia e das populações tradicionais, indígenas e não indígenas, está novamente ameaçada por decisões arbitrárias de justiça brasileira. Em 1996, a APIWTXA, em ação ajuizada pelo Ministério Público Federal do Acre, denunciou à justiça brasileira os donos das empresas madeireiras responsáveis pela devastação de parte de seu território na década de 1980. A Ação Civil Pública de indenização por atos ilícitos, danos morais e a ambientais, cometidos pelos donos das madeireiras contra o povo Ashaninka se arrasta há mais de trinta anos no sistema judiciário brasileiro.

Os réus foram condenados em primeira instância na Justiça Federal do Acre, em segunda instância no Tribunal Regional da 1ª Região em Brasília e, também, no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Assim, em 2007, os ministros do STJ condenaram por unanimidade os réus ao pagamento de uma indenização milionária aos Ashaninka e à União. Contudo, a decisão do STJ não pôs fim ao processo. Diante de uma nova derrota, os réus usaram manobras jurídicas e apelaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) onde o processo está desde 2011.

Em seu recurso ao STF, a família Cameli e seus advogados alegam a prescrição do dano ambiental, cuja imprescritibilidade já foi reconhecida pelo STJ. Assim, mesmo derrotados em todas as instâncias, os réus continuam omitindo suas responsabilidades e protelando a decisão judicial. Agora, conseguiram, no STF, mais tempo para não cumprir o que determinou a Justiça.

Em 25 de agosto de 2017, o Ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no STF, decidiu, num primeiro momento, rejeitar o recurso dos réus, impondo mais uma derrota aos madeireiros. Em 9 de maio de 2018, alguns meses após sua primeira decisão, o mesmo Ministro, numa atitude surpreendente, reconsiderou seu posicionamento e revogou sua própria decisão sem explicar os fundamentos de tal mudança. Ao agir dessa forma, o Ministro Alexandre de Moraes deu início à discussão no STF para decidir se há imprescritibilidade dos danos ambientais cometidos pelos réus. A defesa dos Ashaninka já protocolou novo recurso ao STF e aguarda posicionamento do Ministro Alexandre de Morais e da Suprema Corte.

A APIWTXA se mostra profundamente indignada e preocupada com as manobras políticas e judiciais que têm ocorrido ao longo de mais de três décadas no âmbito deste processo. As manobras dos réus e de seus advogados visam ocultar a responsabilidade da família Cameli pelos crimes ocorridos na década de 1980. Cabe lembrar que essa família integra a elite política e econômica do Acre. Orleir Cameli foi governador do Estado do Acre de 1994 a 1998. Seu sobrinho, o atual senador Gladson Cameli, é pré-candidato ao governo do Estado nas próximas eleições.

Os Ashaninka continuam acreditando na justiça brasileira e no respeito à Constituição Federal de 1988 da qual a Suprema Corte é a guardiã. Contudo, a lentidão no julgamento desse processo e as mudanças recentes nos preocupam muito. A APIWTXA está atenta e repudia manobras políticas que procuram pressionar o judiciário. Está determinada em sua busca por justiça e continuará sua luta em defesa do povo Ashaninka.

Salientamos que o que está em jogo nesse julgamento não é simplesmente o interesse de uma comunidade indígena que luta para defender seu modo de vida e proteger seu território contra as ações criminosas de representantes da elite política e econômica regional. A luta do povo Ashaninka do rio Amônia é movida por um ideal que deveria ser abraçado por todos nós. A defesa da Amazônia, a proteção da biodiversidade, o combate às mudanças climáticas e a busca de alternativas econômicas que possam garantir a sustentabilidade ambiental dos nossos recursos naturais deve ser uma bandeira comum, de interesse de todos, independentemente de partidos políticos e ideologias. A APIWTXA tem feito sua parte e continuará a trilhar esse caminho para concretizar esse ideal, em benefício não só da comunidade Ashaninka do rio Amônia, mas da população do Alto Juruá, da Amazônia, do Brasil e do mundo.

Aguardamos dos Excelentíssimos ministros do STF, o respeito à nossa cultura, à nossa história e o reconhecimento da nossa luta. Esperamos a consideração do STF para com o povo Ashaninka não se restrinja às fotografias da exposição permanente, ofertada por Sebastião Salgado, que ornam as paredes da Suprema Corte.

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