REFLEXÕES DE DOMINGO: As mentiras e contradições da política ambiental de Jair Bolsonaro

Por Daniel Zen

As bravatas do governo de Jair Bolsonaro (PSL) são cada dia mais numerosas e de consequências cada vez mais graves. A bola da vez é a situação extrema que se estabeleceu na Amazônia. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre janeiro e agosto deste ano, as queimadas aumentaram 83% em relação ao mesmo período do ano passado.

O nascedouro do problema, contudo, não é recente. Começa ainda no início do governo, com o desdém/deboche do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) para com a memória de líderes como Chico Mendes, seguida da liberação irracional, ao longo dos meses seguintes, de 290 substâncias agrotóxicas proibidas em outros países, o flerte para com a autorização de mineração e garimpo em terras indígenas, passando ainda pelo desmanche da Política Nacional de Meio Ambiente, que envolve a desarticulação da estrutura de fiscalização de órgãos como IBAMA (com o corte de 50% de seu orçamento) e ICMBio, o corte de 95% do orçamento de ações destinadas a combater mudanças climáticas, dentre outros desmandos.

O ápice dessa crise ambiental, porém, se deu essa semana, na contenda com o presidente francês, Emmanuel Macron (que também não é lá flor que se cheire em se tratando da temática ambiental). Mas, para compreendermos melhor a questão, é necessário voltar algumas casas nesse tabuleiro:

Há alguma semanas atrás, Bolsonaro colocou em cheque os dados de satélite do Inpe, alegando que as informações sobre desmatamentos na Amazônia eram mentirosas. Tal episódio resultou na demissão do diretor-presidente do instituto, Ricardo Falcão, profissional respeitado na comunidade científica internacional. O motivo da exoneração: ter ousado discordar, publicamente, do presidente da República, ao defender a seriedade de seu trabalho e de todos os servidores públicos de carreira do órgão.

Outro órgão respeitado, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) afirmou, categoricamente, que o incremento na quantidade de queimadas está diretamente relacionado ao aumento do desmatamento. Segundo o Ipam, com o aumento da derrubada da floresta, o número de focos de calor também se eleva, contrariando discursos de Ricardo Salles e Jair Bolsonaro.

A negação da ciência e da verdade, por parte do presidente, porém, só durou até o momento em que os dados do Inpe e Ipam foram confirmados pela Agência Espacial Norte Americana (Nasa), de seu ídolo Donald Trump. Quase no mesmo instante em que “o dia virou noite” em São Paulo, em virtude do deslocamento de uma massa polar que “empurrou” grande volume de fumaça, oriunda das queimadas amazônicas, para a região sudeste do Brasil. Se vendo diante da impossibilidade de negar o óbvio, Bolsonaro passou a dizer que a culpa pelas queimadas era das ONGs ambientalistas que atuam na Amazônia. Detalhe: não apresentou nenhuma prova dessa grave acusação.

O segundo episódio de destaque nessa questão é o que envolve a polêmica sobre os recursos do Fundo Amazônia. Ante a suspensão de repasses por parte dos governos da Alemanha e Noruega, Bolsonaro afirmou que não precisávamos dos recursos da cooperação internacional anteriormente firmada com ambos os países. Afirma que os grandes beneficiários desses recursos eram as ONGs ambientalistas; e que estas fazem campanha contra o governo brasileiro, defendendo interesses internacionais e ferindo a soberania do nosso país.

Sem adentrar no mérito sobre supostos interesses obscuros e subjacentes, de empresas multinacionais e nações estrangeiras, que residiriam por detrás das cooperações internacionais para o financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável e preservação ambiental – fantasma que, há décadas, assombra os nacionalistas, tanto à direita, quanto à esquerda – fato é que os recursos doados por Noruega e Alemanha vinham sendo muito mais úteis para o Poder Público (governo federal e governos estaduais dos estados da Amazônia brasileira) do que propriamente para as ONGs ambientalistas. O Estado do Acre, por exemplo, utilizou tais recursos para dotar o seu Corpo de Bombeiros Militar de uma estrutura mínima (embora ainda insuficiente) para combater queimadas e incêndios florestais, dentre outros programas, projetos e ações, todas financiadas com dinheiro do Fundo Amazônia.

Tais recursos, certamente, farão muita falta. Diante da alegada crise nas finanças nacionais, por que dispensar recursos de cooperação internacional? Como o presidente fará para compensar os estados amazônicos por esta perda de receitas?

Outra coisa que também é certa: queimadas e desmatamentos na Amazônia sempre houve, mas, nesse ano de 2019, estamos nos aproximando, velozmente, dos piores índices dos últimos 15 anos. Por mais que a plêiade de fãs da mitomania – verdadeiros habitantes de Nárnia, a vagar por uma realidade paralela que eles criaram e na qual passaram a crer como se verdade fosse – esbraveje, pelas redes sociais, que se tratam de dados científicos fraudulentos (sem, contudo, apresentar nenhuma prova ou indício de tal fraude), esse é um dado que nenhuma fake-news pode negar.

É bem verdade que, no seio desta polêmica, circularam, nas redes sociais, imagens de queimadas, incêndios e desmatamentos de anos anteriores. Trata-se de problema recorrente na era da pós-verdade, de parte-a-parte, de todos os lados. Mas, isso não coloca em cheque os dados atuais, tanto os do Inpe quanto os da Nasa. É inverossímil que as imagens de satélite sejam falsas, distorcidas ou manipuladas. Isso sem contar a evidência física, empírica, a vista de tudo e de todos, a olho nu: a fumaça que tomou conta dos centros urbanos das cidade amazônicas. O contrário disso é mera teoria da conspiração.

Lembremos ainda que, desde o início deste governo, por conta das declarações erraticamente desastrosas, ora do chanceler, Ernesto Araújo; ora do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente); ora do ministro Augusto Heleno (Segurança Institucional); ora do ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil); ora dos filhos do presidente; ora do próprio presidente, o Brasil vem sofrendo duras sanções comerciais de diferentes países: primeiro foi a soja, boicotada pelos chineses após palavras desairosas proferidas sobre a China; depois foi a vez do frango e da carne halal, uma retaliação dos países da Liga Árabe por conta da intenção do governo de mudar a embaixada brasileira na Palestina de Tel Aviv para Jerusalém.

Agora, só essa semana, depois que Noruega e Alemanha já haviam decretado a suspensão dos repasses para o Fundo Amazônia, a Finlândia também pediu boicote à carne brasileira; França e Irlanda passaram a se opor ao acordo entre a União Europeia e o Mercosul; e a questão da Amazônia será levada ao debate no encontro do G7 por líderes franceses e canadenses.

E não estou falando de disputas partidárias domésticas, de A contra B, mortadelas versus coxinhas, petralhas versus bolsominions, PT versus PSL, bonitos contra feios, bonzinhos contra malvados etc. Esse maniqueísmo, esse dualismo não leva ninguém a lugar nenhum. Até porque a defesa do meio ambiente não deveria ter partido.

Estou falando é da posição do Brasil na arena internacional. Outrora respeitada, caracterizada pelo pacifismo, pela mediação e pelo multilateralismo, a atual postura isolacionista, retrógrada e medieval da diplomacia brasileira só é comparável com a de países ditatoriais, autocráticos e fundamentalistas. Ou seja, o Brasil está se isolando do ponto de vista de suas relações internacionais e isso traz prejuízos não só simbólicos, mas, sobretudo, materiais. São as commodities brasileiras – e, via de consequência, a balança comercial e o PIB – que passam a sofrer as consequências desse cenário de ausência de credibilidade. E depois que o estrago está feito, que “Inês é morta”, leva anos para se recuperar os danos causados à imagem dos produtos brasileiros e do próprio país.

Essa é a conta que Bolsonaro e seus asseclas – ao preferir contestar dados cientificamente comprovados e imputar culpa a quem não a tem, do que adotar medidas concretas para debelar o desmatamento, incêndios e queimadas – certamente, não fizeram.