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quarta-feira, novembro 27, 2024

A resposta de Lady Gaga ao ex-namorado é inspiração para todas

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Em 2010, Lady Gaga contou à revista Cosmopolitan o seguinte: “eu tive um namorado que me disse que eu nunca seria bem-sucedida, nunca seria nomeada a um Grammy, nunca teria uma música de sucesso e que ele esperava que eu fosse um fracasso. Eu disse que um dia ele não seria capaz de pedir uma xícara de café numa lanchonete sem me ver ou me ouvir”. A declaração voltou a circular esta semana, depois que a cantora ganhou o Oscar, a quinta vitória nessa temporada de premiações.

Acredito que muitas mulheres devem ter se reconhecido no papel da garota que permite ser humilhada porque acredita que aquilo é amor. Impossível não me identificar com a fala a cantora. De segura e independente, passei aos poucos a acreditar que era, na maior parte do tempo, apenas equivocada em tudo que fazia, falava, vestia. Nunca apanhei de namorado algum, nem cheguei perto disso, mas me submeti a uma série de violências psicológicas que deixaram marcas profundas no coração e na alma.

Todo mundo pergunta a mesma coisa: por que as mulheres se submetem a isso? Simples. Porque os maus tratos não acontecem desde o começo. Porque tudo o que é dito tem uma aura de proteção. Porque a gente não percebe que o buraco em que estamos mergulhando fica cada vez mais fundo e, de repente, não conseguimos sair de lá sem ajuda.

Eu tinha um trabalho invejado, morava num apartamento bacana, tinha amigos descolados, pagava as minhas contas, corria meias maratonas, era referência em moda e baladas para minhas amigas. Quando me dei conta, tinha me transformado numa mulher frágil e amedrontada. Eu dividia a vida com uma pessoa que deveria me valorizar e me estimular, mas não perdia a chance de fazer exatamente o contrário. Para o meu bem, claro.

Eu era criticada por tudo. Pelas minhas roupas, meu corte de cabelo, meu gosto musical, minhas opiniões políticas, os livros que lia, os que não lia, o jeito de dirigir, de passar o fio dental, como pegava os talheres. O meu trabalho, de repente, não tinha muito propósito. Minhas medalhas de meias maratonas, valor nenhum. Minhas amigas não eram, lá, muito inteligentes. Minha família morava muito longe, então, ficava difícil ir visitar.

Primeiro, são apenas comentários aleatórios. Você estranha, acha graça, discorda. Ele fala de novo, em tom de brincadeira. Os dois riem. Então, ele repete mais uma vez. Parece que realmente se preocupa, que quer o melhor para você – e só você não está vendo o que é melhor para você. Então, ele começa a elogiar outras mulheres que se enquadram na descrição que ele gosta. Aquelas que fazem, agem, falam, se vestem, diferente do que você é. Você fica insegura. Bingo.

Sem perceber a armadilha, você faz a primeira mudança. Qual é o problema de pintar o cabelo de uma cor que não combina com você ou cortar de um jeito do qual não gosta? Cabelo cresce. Você detesta o resultado, mas ele elogia e assim você fica infeliz, mas não é mais criticada. Um dia ele chega em casa com uma roupa que seria a última que você compraria. Você experimenta e ele diz que você está linda. Quando se dá conta, as coisas de que mais gosta estão no fundo da gaveta.

Cortei o cabelo, mudei o guarda-roupa, convivia com gente por quem não tinha o menor interesse, deixei de sair para dançar, porque ele achava que “não era um programa para casal” (sério), não ia mais à praia porque “aquele sol todo, que horror”. Carnaval? Nem pensar. O meu trabalho não era algo exatamente importante, qualquer pessoa poderia fazer a mesma coisa. E, claro, ficava sempre muito implícito que eu deveria agradecer por ter alguém como ele. Afinal, eu era muito melhor agora graças a ele, que tinha me mostrado todo meu potencial. E as minhas limitações, obviamente. Você vira outra pessoa para agradar alguém que tira a sua paz, a sua alegria, a sua personalidade, a vida que você tinha. Eu vivia um pânico interior. Tinha medo de dizer, de fazer, de vestir, de pensar algo que virasse motivo para ser criticada ou, nos momentos de breve lucidez, razão para brigas. Eu evitava discussões porque acabava sempre achando que no fundo ele estava certo.

Quando olho para trás é difícil acreditar que deixei as coisas chegarem àquele ponto. Mas a minha história é parecida com a de milhares de outras mulheres. Com sorte, mas muita sorte mesmo, um dia você acorda em tempo de juntar os caquinhos espalhados, coloca num saquinho e arrasta para a terapia, na esperança de que aquelas peças espalhadas voltem a se encaixar e você possa se encontrar com você mesma. Foi um longo caminho até que consegui fazer as pazes com a pessoa que eu era e que desprezei para ter uma vida que não era minha e ser absolutamente infeliz.

Para mim, e para a maioria das garotas que já passou pelo mesmo calvário, a melhor vingança é ser escandalosamente feliz sendo apenas a pessoa que a gente é. Olha que coisa. Mas imaginar a cara do meu ex cada vez que dá de cara com meu nome na primeira página ou na home da Folha, jornal preferido dele, me deixa feliz como se tivesse ganhado o Oscar.

Por Mariliz Pereira Jorge, da Folha de São Paulo.

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