Na região do Alto Acre, dentro e próximo à Reserva Extrativista Chico Mendes, a produção de mel das abelhas sem ferrão (meliponas) se espalhou, sendo fortalecida ainda mais após a criação da Associação dos Criadores de Abelha do Alto Acre. Hoje, o estado já tem mais de 1.120 famílias beneficiadas pelo programa de fomento do governo, alcançando uma produção de 20 toneladas em 2017. Essa cadeia produtiva agrega alto valor comercial com importante fator de conservação das florestas.
Sentado à mesa, fazendo a degustação do mel colhido em diferentes épocas do ano, Rivelino da Silva fala sobre sua satisfação desde que começou a criação racional das abelhas sem ferrão, a meliponicultura. Morador da floresta desde a infância, ele acredita que essa é uma ótima atividade para ajudar no bem-estar da família.
“Eu sempre me identifiquei com a floresta. Este projeto é algo que a gente consegue trabalhar, melhorar de vida e ganhar dinheiro. Só é complicado para trazer as abelhas da mata, mas depois que está em casa é só cuidar bem e tem retorno garantido porque o preço é muito bom”, declara o meliponicultor.
Mesmo não sendo a atividade principal da propriedade, Silva explica que a criação das abelhas vai além da produção do mel, elas ajudam muito na produtividade das outras culturas.
“A gente produz nosso legume, macaxeira, milho, arroz e banana. O arroz, por exemplo, fica melhor porque a abelha vai polinizar e dá menos chocho [grãos não desenvolvidos]. O mesmo se dá com o milho. Se tem mais abelha para polinizar, vai ter sempre uma espiga cheia”, exemplifica. Sua principal fonte de renda é a coleta de castanha-do-brasil.
Já andando por entre as oito caixas de criação, Silva vai contando um pouco do que aprendeu durante as capacitações oferecidas pelo governo. “Nós mexemos com a abelha uruçu-amarela, então precisamos ter alguns cuidados. Por exemplo, não podemos usar veneno porque certamente as abelhas vão embora”, afirma.
“A gente aqui tira o mel em novembro, depois também em fevereiro. Fora isso, não é recomendável porque é preciso deixar para as abelhas se alimentarem”, afirma, pontuando que esse calendário segue as floradas da mata. “Aqui temos um mel com garantia de 100% e pode vender com toda tranquilidade”, reforça o agricultor, apontando para o aparelho de extração, que contém um líquido mais escuro e maduro, pronto para consumo.
O governo do Estado apoia os produtores também com a disseminação de conhecimento, por meio do programa de incentivo à cadeia produtiva do mel. Além dos cursos oferecidos, foram distribuídas mais de 10 mil caixas, para que essas famílias iniciassem a atividade de criação de abelhas. O investimento já ultrapassou os R$ 600 mil, com apoio do Banco de Desenvolvimento Alemão KfW e do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES).
Esse trabalho, além da renda para as famílias que desejam permanecer nas florestas, contribui para o equilíbrio da biodiversidade. Faz parte, assim, do projeto de desenvolvimento sustentável que o governo do Estado adota e pelo qual é reconhecido internacionalmente.
Segundo estudo de Maíra Gnoatto Afonso, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o impacto causado pela crise de polinizadores afeta toda a biodiversidade, pois a vegetação nativa presta diversos serviços ecológicos, principalmente a fixação de carbono, contribuindo assim para o controle dos efeitos do aquecimento global.
“Entre as diversas espécies de abelhas até agora identificadas, as abelhas indígenas sem ferrão (Meliponinae) são responsáveis pela polinização de até 90% da flora nativa do Brasil”, continua o estudo, mostrando o tamanho da importância do cultivo racional das abelhas. Tendo até cinco mil insetos, cada caixa cuidada pelos agricultores familiares se torna um ponto de defesa pela preservação da natureza.
Consciente do lugar onde habita, Silva fala do impacto que foi a ação do governo, que contribui para que a floresta seja um lugar ainda melhor para morar. “A região aqui é muito boa, é um lugar bom de viver. Para nós, que moramos aqui e queremos desenvolvimento, foi muito importante o apoio, porque se o governo não tivesse investido, não teríamos esse conhecimento”, afirma. “Pretendo passar o resto da minha vida aqui.”
A estabilidade para quem mora na zona rural, como Silva, depende de suas oportunidades na geração de renda. No caso do mel, diversas são as possibilidades de comercialização e utilização. Na cultura tradicional, é usado como medicamento para fortalecer a saúde, mas recentemente tem ganhado as cozinhas de chefs em todo o Brasil.
A chef Izanelda Magalhães, natural de Cruzeiro do Sul, região do Juruá, traz consigo essa cultura de sabores e aventuras vividas na floresta. Em seu restaurante, em Rio Branco, ela faz uso do mel das meliponas e é uma conhecedora da complexidade desse produtor artesanal.
Para ela, o que as abelhas produzem ao polinizar cada árvore, ao viver em ambientes de grande biodiversidade é uma “viagem no tempo” de parte da memória afetiva dos acreanos. “O mel de abelhas nativas é o resgate de tudo isso, da biodiversidade, das árvores, dos alimentos que elas utilizaram naquele momento, trazendo os sabores da Amazônia muito mais vivos para todo o Brasil”, declara, acentuando que busca sempre o mel produzido em Marechal Thaumaturgo, que detém hoje a maior produção desse tipo no Acre.
O mel e seus sabores únicos conectam as pessoas. O cuidado que o Silva tem ao criar as abelhas alcança seu objetivo final quando o mel chega à mesa de quem pode traduzir seus sabores. Izanelda, que utiliza essa especiaria nos pães que faz e em diferentes pratos, explica um pouco dessa teia de sentidos. “O mel de abelhas nativas é muito mais frutado, tem um sabor particular, com menos açúcar, mas ganha muito em aroma e acidez. Isso a gente valoriza muito na questão da culinária.”
A comercialização de forma ampla necessita ainda de regulamentação, reconhecendo as peculiaridades desse produto tipicamente brasileiro. Porém, os pequenos agricultores familiares já começam a se unir, buscando uma padronização e qualificação.
Este ano, durante a Feira do Mel, em Epitaciolândia, a Associação dos Criadores de Abelha do Alto Acre mostrou a importância do seu trabalho, com apoio do governo. “Eu queria incentivar os amigos a criarem abelha e ter uma visão melhor de mercado. A gente hoje trabalha individualmente, com a associação, a gente pode se organizar para melhorar esse mercado e o preço”, explica Edvan Campos, presidente do grupo e também criador em Brasileia.
Maria Edna, coordenadora do programa executado pela Secretaria de Extensão Florestal e Produção Familiar (Seaprof), explica um pouco esse processo, pontuando ainda a criação de uma segunda associação no estado. “Temos a sinalização para outra no Juruá. A associação, além de juntar e facilitar várias coisas, também dá a credibilidade no mercado porque o produto vai ter o rótulo e o mel padronizado, por exemplo.”
Essa organização entre criadores, governo e mercado é importante para ampliar ainda mais o debate no cenário nacional. Os produtos artesanais possuem especificidades, que requerem estudos e uma legislação sanitária adequada.
Mas, provavelmente, uma das coisas mais excepcionais na produção das meliponas é a paixão que causa em quem tem contato, seja em Izanelda, que lembra a infância na floresta, ou em Silva, que tem uma alternativa a mais para ajudar em seu desejo de morar na natureza.
Já para Campos, a união e o trabalho das abelhas ao polinizarem as árvores e plantas são o que mais chamam a atenção. “O trabalho da abelha, a polinização e o mel são coisas que o homem não sabe fazer como elas. Para mim, elas são unidas, são vencedoras. Se fôssemos unidos como as abelhas, nosso Acre, nosso mundo seriam ainda melhores”, afirma.