Justiça autoriza mudar nome na certidão de criança intersexual no Acre

A mãe de uma criança intersexual (nascida com os dois órgãos sexuais) de 3 anos de idade conseguiu na Justiça a alteração do nome na certidão de nascimento, após um pedido de liminar da Ordem dos Advogados do Brasil do Acre (OAB-AC). Logo depois de dar à luz, a mãe registrou o recém-nascido como menina, mas exames posteriores mostraram que a criança, que não possui ovário nem útero, tem características genéticas de menino. Foi quando a mulher decidiu alterar o nome de seu filho.

Segundo o presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-AC, Charles Brasil, responsável pela ação, o bebê nasceu prematuro, e a mãe só teve contato com ele quatro dias depois, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A dona de casa de 45 anos percebeu algo diferente e chamou os médicos, que não souberam fazer um diagnóstico. Uma geniticista foi chamada e fez o diagnóstico de intersexualidade, mas o bebê já tinha sido registrado como menina na certidão de nascimento.

— Todo o acompanhamento médico de pré-natal indicava que o bebê era do sexo feminino, então a mãe escolheu um nome e fez o registro logo após o nascimento. No quinto dia de nascido, veio o diagnóstico de intersexualidade — conta Charles Brasil. — O exame cariótipo, que analisa a quantidade e a estrutura dos cromossomos em uma célula, e que saiu apenas em agosto do ano passado, deu masculino. O menino se relaciona mesmo com o mundo como masculino, se identifica e faz brincadeiras de menino. Ele nunca nem pronunciou o nome de registro.

O caso da família chegou à OAB-AC depois de a mãe fazer um apelo nas redes sociais pedindo doações de fraldas. Ela vive sozinha com a criança numa casa de madeira na periferia de Rio Branco, está desempregada e recebe apenas uma pensão do pai do menino e apoio do Programa Bolsa Família, totalizando uma média de R$ 400 por mês. Ao saber da decisão da Justiça, a mulher chorou muito e ficou emocionada com a vitória.

— Ela viveu momentos de muito preconceito, as pessoas têm resistência com o nome social. Você percebe o preconceito quando a pessoa faz questão de chamar pelo nome registral — descreve o advogado, que se orgulha do dever cumprido. — É muito legal quando o direito pode trazer dignidade para a pessoa. A OAB cumpriu o seu papel constitucional de garantir o direito dos mais pobres. Foi uma decisão histórica, um esforço conjunto da OAB, do Ministério Público e do poder judiciário. É a primeira do Brasil com todas essas características.

Segundo ele, o juiz encaminhou uma ordem para o cartório emitir uma nova certidão. A família pode ter o documento em mãos até o fim de semana.

— O menino é superinteligente, comunicativo. Ele sempre se viu com essa identidade, então na cabeça dele talvez não mude muita coisa, mas a euforia da mãe fez ele ver que aconteceu algo diferente — descreve Brasil. — Foram cinco meses acompanhando o caso. A decisão é apenas um reconhecimento de uma visão judicial. Agora com a certidão nova ele vai poder tirar todos os documentos e garantir a cidadania.