Rose Vieira recebeu auxílio da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, da qual a socióloga foi assessora. ‘Ela fez por muita gente, para família de policiais’.
O filho de Rose Vieira, o policial civil Eduardo Oliveira, morreu numa sexta-feira de abril de 2012. “Nem vivi o luto. Na segunda-feira já fui buscar justiça”. Aconselhada a procurar a Comissão de Direitos Humanos da Alerj, a mãe do agente se espantou: “Falei: ‘Direitos Humanos? Não fazem nada por policiais'”.
Ainda desconfiada, Rose Oliveira conheceu Marielle Franco, à época assessora do comitê na Assembleia Legislativa. “Entrei no gabinete e tive outra impressão”. Seis anos depois, ao relembrar da mulher que se tornou amiga e acabou assassinada, fala com tom de gratidão.
Eduardo havia sido morto e sua mãe, Rose, foi às ruas pedir socorro. “Até a (ex-presidente) Dilma Roussef eu encontrei”. Na tentativa de esclarecer o crime, o convívio de Rose com a então assessora Comissão de Direitos Humanos, Marielle, se tornou frequente.
Marielle era lotada no gabinete do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), com quem trabalhou por 10 anos prestando auxílio jurídico e psicológico a familiares de vítimas de homicídios ou policiais vitimados. Partiu dela o apoio fundamental, segundo a mãe da vítima.
“Ela resolveu o meu caso. Resolver não, porque quem resolve é a Justiça. Mas me ajudou. Registrou todo o caso, pegou o número do inquérito que virou processo. Ajudou com um abraço, uma palavra amiga, o acolhimento, a preocupação com a família”, recorda.
Naquele momento, a investigação ainda apontava que Eduardo havia sido morto em um suposto assalto. Com o recomeço dos trabalhos, a perícia concluiu que o tiro provavelmente havia partido de cima para baixo e acertado a cabeça do policial. Um colega se tornou o principal suspeito.
O júri popular, que já tinha até sido marcado, foi cancelado com a mudança da linha de investigação. O novo julgamento ainda não tem data, mas uma das audiências ficou guardada na memória de Rose. Marielle chegou esbaforida no fórum.
“Só para você ter uma ideia, a Marielle não tinha carro nessa época. Nem era vereadora. Chegou de trem. Não posso falar hoje que essa pessoa não me ajudou. Quem é que vai até Duque de Caxias, uma outra cidade, de trem só para ajudar? Só a Marielle”.
Na última quinta-feira, Rose prestou sua homenagem à vereadora do PSOL no velório. Pelas redes sociais, tem acompanhado as investigações e se ressente do que tem lido: acusações de que a ex-assessora da comissão não se importava com a morte de policiais.
Evangélica, a mãe de Eduardo Oliveira rebate e pede orações por aqueles que a criticam.”Tenho pena por escreverem esse absurdo. Deveriam orar mais para que não aconteçam com elas. É triste ver o que a pessoa fez por outras e não ter reconhecimento. ‘Ah porque não fez para X, Y, Z’. Ela fez por muita gente, para família de policiais. Porque eu sou de família de policial. Fico muito triste com o que escrevem, não era nem para levar a sério”.
Quem trabalha na Comissão de Direitos Humanos lamenta que não haja estrutura para ajudar todas as vítimas. No ano passado, foram mais de 100 policiais mortos — sem contar o auxílio prestado às vítimas civis. No grupo, não há nem 15 funcionários.
“É uma ajuda que deveria partir do Executivo, da secretaria por exemplo. A Comissão de Direitos Humanos da Alerj ajuda como pode. Às vezes, precisamos pegar o contato com familiares de vítima com a imprensa porque não sabem nem que existimos. A polícia, os bombeiros, as instituições que deveriam ajudar são todas ligadas ao Executivo e não ao Legislativo. Fazemos o que podemos”, diz um dos membros do grupo.
‘É uma bobagem dizer que não defendia policiais’, diz ex-chefe da PM
Ex-comandante da Polícia Militar, Íbis Pereira trabalhou diretamente com Marielle. Quando ainda era chefe de gabinete do comando, trocava informações com ela sobre policiais mortos.
“Ela fazia essa ponte para que a comissão pudesse auxiliar as famílias. Um trabalho muito grande no amparo, procurando agilizar na recepção de proventos, benefícios ou aposentadoria. É um trabalho silencioso e muito bonito que as pessoas, na maioria, ignoram”, opina.
Para ele, também não é verdade que Marielle e a comissão não ajudem seus colegas de farda.
“É uma bobagem dizer que não defendia policiais. Esse aspecto de bandido bom é bandido morto ou dizer que ‘direitos humanos é para bandido’ é um retrato da nossa miséria e indigência política e intelectual. Mostra o desconhecimento completo do que é direitos humanos e da importância dele para construção de uma sociedade civilizada. Por trás disso há um ódio secular a pobre, tem ignorância e nossas misérias”, conclui.
Por Gabriela Barreira – Rio de Janeiro