por Leandro Altheman, do blog Terranáuas
Contextualizando: a apresentadora do programa ‘Sucesso no Campo’, Fabélia Oliveira afirma que se os índios querem preservar sua cultura deveriam para de usar geladeira e morrerem de malária e tétano. A declaração polêmica faz parte de uma série de reações do setor do agronegócio ao samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense que neste ano, homenageia a resistência dos xinguanos à usina de Belo Monte e ao agronegócio.
Se a opinião externada pela apresentadora fosse algo restrito ao setor do agronegócio, não seria tão preocupante, mas essa é certamente a opinião de boa parte da sociedade brasileira, que infelizmente, desconhece os processos históricos que levaram a sua própria formação.
Remédio da Malária: descoberta indígena
A tese da apresentadora é de que o remédio para a malária seria uma descoberta ‘do homem branco’ e portanto de uso exclusivo destes e daqueles que, não sendo brancos, submetam-se às vontades e desejos do colonizador para ter direito a tais benefícios. Aos demais estaria reservada uma honrosa morte.
Nada mais equivocado. A malária que não existia nas Américas foi introduzida pelos colonizadores. Credita-se ao povo Napo Runa e aos seus métodos tradicionais de diagnóstico e profilaxia de doenças a descoberta do uso do quinino presente em cascas e cipós como a quina-quina para o tratamento da malária.
‘O Napo Runa descobriram mais de mil plantas medicinais, algumas em combinações complexas, e descobriram a maioria deles em um tempo muito curto, em apenas um século ou mais de a introdução de doenças europeias. Na verdade, embora o mundo já tenha conhecido a malária há milhares de anos (foi descrito na China em 2700 aC), e não tinha remédio para ele, dentro de 25 anos da introdução da malária na Amazônia, o primeiro medicamento para a malária, o quinino, extraído de uma planta, foi descoberto pelos povos indígenas no Equador.’ Gayle Higpine, etnobotânica
O atual tratamento: cloroquina, primaquina, mefloquina, foi um aperfeiçoamento de laboratório de um tratamento tradicional. Também não são poucos os medicamentos que hoje fazem parte da farmacopéia ocidental que tiveram origem no conhecimento tradicional.
Milho, Tomate e Cacau
A lista de plantas conhecidas e domesticadas por povos indígenas e que hoje fazem parte de nossa alimentação diária é tão grande, que sobraria pouca coisa se fossemos aplicar a ‘regra de ouro’ da apresentadora.
O milho, tão importante para o agronegócio certamente encabeçaria a lista. Presente em centenas de produtos industrializados, o milho cuja safra supera as 200 mil toneladas é um produto de origem 100% indígena, cultivado em dezenas de diferentes espécies nas três Américas.
Do mesmo modo, o tomate, outro importante produto do nosso dia-a-dia, é também um produto de origem ameríndia. Ou seja, para fazer valer sua regra, Fabíola pode dar adeus ao molho de tomate na pizza e na macarronada.
O chocolate foi uma invenção europeia ao acrescentar leite à massa de cacau, que já era cultivado, processado e consumido milenarmente por povos indígenas da Amazônia e da América central.
À essa lista acrescentaria ainda o mate, tão utilizado pelo ‘homem do campo’ do Brasil Central como estimulante seja na forma de tereré gelado ou do chimarrão quente. O mate é indígena também.
Seguiria ainda nessa lista, o maracujá, o cupuaçu, o açaí, a goiaba e outra dezenas de produtos que importantes ao setor agrícola nacional. Há ainda o Guaraná, estimulante conhecidos originalmente dos índios da amazônia, e poderíamos acrescentar na lista até a coca-cola, já que que a coca é de origem ameríndia.
Para fechar a lista, o adoçante Stevia, presente em refrigerantes diet, é também um legado do conhecimento indígena sobre a terra que ocupam, habitam, vivem e produzem há pelo menos cinco mil anos.