Aquilo que normalmente seria desprezado pela imprensa nacional, acabou sendo pauta para a imprensa internacional. O jornal da BBC, produziu reportagem contando porque os Yanomami fizeram um ritual para a saída de Romero Jucá, que aparentemente ‘deu certo’.
Confira a reportagem:
Quando o senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi nomeado ministro do Planejamento do governo interino de Michel Temer, xamãs e lideranças do povo ianomâmi recorreram a “espíritos da natureza para pressionar a alma” do político e tentar fazê-lo desistir do posto, conta à BBC Brasil o jovem líder Dário Kopenawa Yanomami.
Coordenador da associação Hutukara, sediada em Boa Vista, Roraima, Yanomami diz que o grupo temia o avanço de propostas do ministro – para ele, “o maior inimigo dos povos indígenas do Brasil”.
“Deu certo”, ele comemora, citando o afastamento do político nesta segunda, após vir à tona uma gravação em que propunha um pacto para derrubar a presidente Dilma Rousseff e frear a Operação Lava Jato.
A relação problemática de Jucá – presidente nacional do PMDB – com os ianomâmis foi citada no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2015.
Em capítulo sobre violações de direitos humanos de povos indígenas, o relatório diz que a gestão do político como presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), entre 1986 e 1988, resultou no “caso mais flagrante de apoio do poder público à invasão garimpeira”.
A entrada dos garimpeiros no território de Roraima ganhou impulso em 1986, quando o governo federal ampliou uma pista de pouso na área, na fronteira do Brasil com a Venezuela.
A obra facilitou o ingresso dos invasores, que no fim da década chegavam a 40 mil e construíram mais de uma centena de outras pistas.
Segundo o relatório da CNV, alertado repetidas vezes sobre a invasão, Jucá não só deixou de agir para combatê-la como a estimulou.
“Comunidades inteiras desapareceram em decorrência das epidemias, dos conflitos com garimpeiros, ou assoladas pela fome. Os garimpeiros aliciaram indígenas, que largaram seus modos de vida e passaram a viver nos garimpos. A prostituição e o sequestro de crianças agravaram a situação de desagregação social”, afirma o documento.
Estima-se que até um quarto dos ianomâmis tenham morrido por efeitos diretos ou indiretos do garimpo, que ampliaram a cobrança internacional para que os invasores fossem expulsos e o território, demarcado.
Diante da pressão, segundo o relatório da CNV, Jucá expulsou ONGs e missões religiosas estrangeiras que prestavam o atendimento à saúde dos indígenas, alegando que os grupos estavam insuflando as comunidades contra os garimpeiros e que os estrangeiros ameaçavam a soberania nacional. Também foram expulsos missionários brasileiros que atendiam os índios.
Em agosto, a revista Época revelou que a mineradora Boa Vista, que tem como sócia majoritária Marina Jucá, filha do senador, havia pedido ao Departamento Nacional de Produção Mineral autorização para explorar ouro em nove minas com trechos em terras indígenas.
Segundo a revista, Jucá negou qualquer relação com a empresa da filha. O senador não respondeu às perguntas da BBC Brasil sobre sua atuação na Funai e o relatório da CNV.
Dário Kopenawa Yanomami diz à BBC Brasil que perdeu avós e parentes na invasão dos garimpeiros nos anos 1980. Ele afirma ainda que a atividade provocou danos ambientais irreversíveis.
“Teve um impacto muito grande no subsolo dos Yanomami: estragou rios, igarapés, deixou muita sujeira dentro da terra.”
E apesar de sucessivas operações para a expulsão dos invasores, o garimpo jamais foi erradicado no local. O pai de Yanomami, o xamã Davi Kopenawa, diz ser alvo de ameaças de morte frequentes por se opor à atividade.
Uma pesquisa recente da Fiocruz em parceria com o ISA revelou que, em algumas aldeias ianomâmis, o índice de pessoas contaminadas por mercúrio proveniente do garimpo chega a 92%.
Em julho de 2015, uma operação da Polícia Federal denunciou 600 garimpeiros, 30 empresas, 26 comerciantes de Boa Vista e cinco servidores públicos por envolvimento num esquema ilegal de exploração de ouro dentro da terra ianomâmi.
Segundo a polícia, o garimpo dentro do território movimentou R$ 1 bilhão entre 2013 e 2014.
Fonte: BBC