“Ninguém chega ao Palácio da Alvorada sem cair na armadilha de uma barreira, antes do Palácio do Jaburu. Vejam só em que país nós estamos vivendo”, protestou Viana. Ele e Renan Calheiros, chefe de um dos três poderes, tiveram que esperar um longo tempo para serem autorizados a transpor a barreira criada por Temer.
“Se querem pôr barreira no Palácio do Jaburu, podem, devem até. Mas não custava nada deixar uma das faixas livres, porque lá na frente tem a barreira do Palácio da Alvorada. Veja que situação nós estamos vivendo”, ponderou o senador. “Eles têm controle absoluto de qualquer pessoa que queira ter algum tipo de contato com a presidenta Dilma. Isso significa que a presidenta eleita está sitiada? Que Governo provisório é esse?”, protestou.
Reencontro
A crise política, institucional e econômica vivida pelo Brasil é fruto da falência do modelo político adotado no País. “É como se estivéssemos vivendo o fim da Nova República, ou levando a Nova República para um reencontro com a Velha República”, avalia o senador Jorge Viana (PT-AC), vice-presidente da Casa, que aponta como claro sintoma dessa desagregação o fato de “um poderoso senhor”—Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a partir de sua ascensão à Presidência da Câmara, ter tido sucesso em seu plano para desestabilizar e derrubar o governo constitucionalmente eleito.
Viana fez uma análise sobre o momento atravessado pelo País e, mesmo confiante na perspectiva de o impeachment de Dilma Rousseff ser derrotado no Senado, ele lamentou as consequências de toda essa turbulência. “O Brasil enfrenta uma crise econômica, com o desemprego aumentando, o risco de a inflação voltar e uma desconfiança generalizada em boa parte das importantes instituições. Enquanto isso, temos dois presidentes da República, dois presidentes da Câmara”.
O senador lamentou que o Parlamento não tenha feito uma reflexão sobre a legislação que trata do impeachment do presidente da República. “A aplicação dessa Lei criou situações complicadas. Foi erro nosso, falha nossa, não ter mudado essa lei”, afirmou, referindo-se à situação atual: um interino na Presidência, uma presidenta eleita aguardando julgamento por um prazo de 180 dias, tendo sido eleita com 54 milhões de votos e afastada por maioria simples do Senado.
“E o presidente interino não é tão interino, porque ele pode desmontar a estrutura do Estado brasileiro”, criticou Viana. “Está extinguindo ministérios, criando outros”. O senador pondera, entretanto, que o Brasil pode tirar muitas lições desse episódio. “Quem tem amor e responsabilidade com este País não queria estar vivendo neste momento. Mas é a realidade que temos”.
Viana lamentou especialmente a extinção dos ministérios da Cultura e da Ciência e Tecnologia, transformados em secretarias subordinadas a outras pastas. “Isso não vai trazer economia e vai custar muito caro para a história da democracia. A cultura é a expressão da sociedade civilizada.”
Pequenas crueldades
Ele criticou com dureza alguns atos do interino Temer que, apesar de parecerem pequenos, trazem uma forte carga simbólica e expressam claramente o que vem chamando de “marcha da insensatez”. Um desses fatos foi a demissão do garçom que servia o gabinete presidencial no Palácio do Planalto, Catalão.
“Parece pouca coisa. Mas é chocante para qualquer um que olhe para os olhos de quem nos serve — porque há muita gente que toma água geladinha, que toma um café, e que não tem coragem de olhar para a pessoa que está servindo”. Viana, que conheceu Catalão nas diversas audiências que teve com os presidentes Lula e Dilma, solidarizou-se com o garçom demitido. “Era de uma dedicação cativante”. A justificativa para a demissão do trabalhador foi a “suspeita de pertencer ao PT”.
Catalão não foi o único servidor vitimado pela sanha dos interinos. Outra funcionária do Planalto, a secretária Mazé, também foi mandada embora. “Ela estava lá desde o governo Sarney, chegou a ser candidata pelo PFL, lá no Acre”, relatou o senador. “Olha, um governo assim não veio para pacificar o País, não veio para construir um ambiente melhor, para promover o diálogo”.
Cyntia Campos