Ao vencedor, as bananas

Opinião  –por Leandro Altheman

Mesmo diante de seu ‘Rei Nu’, setores da imprensa ainda se esforçam para elogiar suas vestes, ao professar legitimidade à farsa que segundo a opinião corrente, transformou o Brasil em uma ‘República das Bananas’: associação imediata com uma republiqueta onde as regras do jogo são torcidas e distorcidas para se chegar ao resultado que afinal, se queria desde o início, mas que, não sendo possível por meios legítimos busca-se dar ao menos a aparência de legalidade.

A expressão tem origem na atuação da United Fruits Company, corporação estadunidense que determinou a política local da maioria das repúblicas centro-americanas durante o século XX.

Eram elas, afinal, as bananas, principal produto de exportação, quem de fato importavam na política nacional destes países. A democracia, nada mais que uma pantomima, destinada a dar a aparência de que havia ali, o aval da vontade popular.

Em editorial deste dia 15 de maio do Jornal O Globo, repete à exaustão a catilinária de que ‘o Brasil não é a Venezuela’, como uma contra medida à imagem maculada do país no exterior com a suspeita de que tenha sido vitima de um ‘golpe’.

Enquanto jornais como ‘O Liberation’ francês utiliza abertamente a palavra ‘putsch’ – um sinônimo alemão para golpe ou tentativa de dê, outros jornais estrangeiros ainda se ressalvam de utilizar a palavra ‘golpe’, mas deixando claro de quanto o processo todo foi uma grande farsa.

O editorial global tenta pregar a ideia de que a reação da imprensa internacional tenha sido fruto de movimentos de bastidores daquilo que denomina ‘lulopetismo’.

É pouco ou nada crível que dezenas de jornais estrangeiros, com observadores vivendo no Brasil, possam ter uma visão mais parcial do que as organizações Globo que tenta, com a acusação, se defender da triste sina que carrega desde que foi criada para dar sustentação ao regime ditatorial militar instaurado com o Golpe de 64.

A argumentação de que o processo transcorre ‘na mais absoluta normalidade institucional’, tramitando por duas casas legislativas com o amparo do STF pode até servir de base para sedimentar a opinião de que não há golpe algum.

Contudo, mesmo uma avaliação das mais superficiais, dá conta do tamanho da farsa perpetrada justamente sob as barbas, togas e mandatos de quem deveria resguardar não apenas a constituição, mas a essência da vontade popular.

Pois bem, recordemos:

1-      Um processo de impeachmeant é instaurado contra uma presidente eleita tendo como acusação as benditas ‘pedaladas fiscais’, expediente comum utilizado por presidentes anteriores e repetido por dezenas de governos estaduais, como o de SP, para citar um

2-      Mobilizações populares são estimuladas e incentivadas pela mídia, tendo como motivação central a (justa) indignação popular contra a corrupção. A imprensa, aí incluída as organizações Globo, ajudam a construir a ideia de que o impeachmeant de Dilma, seria apenas o começo de uma ‘grande limpeza’.

3-      O processo é conduzido por um presidente da câmara sob graves acusações de enriquecimento ilícito, recebimento e distribuição de propina entre outros parlamentares e lavagem de dinheiro através de uma igreja evangélica. É réu no STF, que contudo o permite continuar todo o processo, para logo em seguida ao impeachmeant, ter o mandato cassado

4-      Finalmente após a aprovação no senado, Dilma é afastada e assume Michel Temer, já declarado inelegível por estar enquadrado como ficha suja. Temer compõe o governo com o PSDB, partido derrotado nas eleições anteriores. Entre eles estão ao menos sete investigados pela Lava Jato.

5-      Temer anuncia um plano de governo que prevê cortes em programas sociais e uma política de austeridade que jamais seria aprovada em referendo popular

6-      O PMDB tenta ‘garrotear’ a Operação Lava Jato, levando a considerar, por exemplo, a anistia de Cunha, para evitar a sua delação, ou mudar a lei de delações no congresso.

Ao contrário do que o editorial de ‘O Globo’ quer fazer crer, o aspecto de farsa vem sendo desmascarado por setores que não podem ser identificados no ‘lulopetismo’, entre eles, o maior algoz dos esquemas do mensalão, o até ontem inquestionável Joaquim Barbosa. Barbosa tem a autoridade de um juiz, reforçada pela sua atuação nos esquemas do mensalão que desestruturam o PT. Sem poupar Dilma de severas críticas, Barbosa expõe com muita clareza ao definir o processo de impeachmeant como ‘encenação’. Vai mais além e questiona, também ele, um jurista, a legitimidade do governo Temer.

Dizer que manobras dessa natureza ocorreram DENTRO de nossas instituições democráticas não é resguardo de legalidade e muito menos de legitimidade e sim, tão somente um agravante do grau de achincalhamento de nossas instituições democráticas.

Não é preciso ser ‘lulopetista’ para enxergar a grande ‘Ópera Bufa’ que se tornou o processo de imepachmeant.

A alegação de que toda esta farsa ocorre justamente com tramites e ritos supostamente respeitados nas duas casas legislativas e no judiciário, longe de conferir legitimidade ao processo, tão somente denunciam o quão podres e carcomidas estão as instituições a ponto de permitir tamanha ruptura institucional.

Fato é que, se nossa democracia permite que esta ‘ruptura’ ocorra tendo as instituições preservadas, o mesmo não se pode dizer do pacto representado pelo momento das eleições.

Nela, é facultada uma escolha. O eleitor opta por um candidato, um partido, um programa de governo.

Vota-se inclusive, no conjunto, também em um vice-presidente com atribuições constitucionais bastante claras, que certamente não incluem a conspiração com o seu partido para comprometer a governabilidade do governo pela qual foi eleito e implantar o programa político adversário.

Farsa.

Durante anos, a Rede Globo que vinha anunciando à população ‘abram o olho, vejam quanta corrupção’, faz o movimento contrário: ao defender a ‘legalidade’ da farsa, diz agora: -’podem fechar os olhos, está tudo sob controle e absoluta normalidade democrática’.

Farsa

O editorial de ‘O Globo’ busca exaltar as instituições brasileiras festejando como a prova definitiva de que ‘O Brasil não é a Venezuela’. Repete-se ad nauseum os adjetivos ‘lulupetista’ e ‘bolivariano’, como se fossem aplicáveis a meios de comunicação internacionais como Washington Post, New York Times, The Guardian, Liberation, Le Monde, El País.

Todos estes jornais, com maior ou menor grau assumem o caráter de farsa do impeachmeant. Alguns claramente aplicam o nome definitivo: ‘golpe’, mas mesmo os mais cautelosos apontam os desvios e vícios do processo.

Certamente que não o Brasil não é a Venezuela, já que aqui, comprovadamente as instituições: legislativo e judiciário, não serviram aos interesses do executivo, o que não significa dizê-los dignos de isenção.

A acintosa seletividade, denunciada desde o início, primeiro pela imprensa declaradamente de esquerda, e agora pela imprensa internacional, somente revela que nossas instituições têm claramente servido a um projeto de poder que não por acaso, é o exato oposto daquele referendado pela população nas últimas eleições.

O episódio servirá de ilustração para os historiadores quando estes quiserem exemplificar de como um projeto neoliberal falido, incapaz de vencer pela via eleitoral, volta do túmulo como um morto-vivo por meio de uma ‘farsa’ institucional, que na prática trata-se de uma eleição indireta para presidente.

Se isso não faz de nós uma ‘Venezuela’, certamente nos aproxima de outros exemplos de ‘farsas’ e ‘manobras’ perpetradas em outros países do continente, como Paraguai e Honduras, para citar dois exemplos.

Se o processo, que através de um presidente ilegítimo coloca no poder a classe política e o projeto derrotado nas eleições ‘prova ao mundo que o Brasil não é a Venezuela’, internamente, mostra também que setores da imprensa nacional ainda exercem papel análogo ao de capatazes em uma República de Bananas.

De nada irá adiantar que se repita 24 horas por dia que ‘não houve golpe’. Podemos passar anos discutindo a semântica da palavra ‘golpe’ cada qual defendendo um ponto de vista. O fato é que, houve uma ruptura, um pacto foi quebrado, e as chances de que um governo sem legitimidade possa a vir resgatá-lo são praticamente nulas.

A imprensa não irá lidar mais com a classe média bestializada, mas com setores organizados, conscientes e agora libertos de qualquer compromisso com a manutenção do governo.

Temer, o conspirador, irá herdar não somente um país quebrado do ponto de vista fiscal, mas completamente cindido em vários níveis.

Irá herdar uma República nascida da promessa de uma era de combate à corrupção, mas que já inicia-se desmoralizada com sete ministros investigados pela Lava Jato e manobras para diminuir o alcance das investigações.

Quincas Borba, personagem imortal de Machado de Assis traduzia sua filosofia particular, o ‘humanitismo’, na célebre frase ‘ao vencedor, as batatas’ – como maneira de justificar todos os atos que levem à vitória

Àqueles que procuram naturalizar o conjunto de manobras, algumas sutis e outras nem tanto, para alterar por completo o resultado das últimas eleições, fica o recado, prenhe de simbolismos, seja pela herança que terão de à sua frente uma República das Bananas, desmoralizada em sua essência:

Ao vencedor, as bananas.

O termo cabe também no gesto de quem reconhece o engodo e a arbitrariedade que levam derrotados a ocuparem o trono de vencedores. Gesto que será repeito em cada rua, em cada praça ou esquina: uma banana.

Ao ‘vencedor’, as bananas.

 

 

 

 

 

 

 

* Não consegui identificar o autor da caricatura. A imagem foi publicada pelas páginas ‘Mídia Ninja’ e ‘Jornalistas Livres’.